Victor Hugo acreditava e sabia que a história temporal, não obstante a sua
objectividade material, está destinada a voltar ao seio da história
divina. Ou seja, que o efeito histórico deverá reintegrar-se no seio do
divino para pôr termo a um ''tempo defeituoso'', onde o Ser se debate atacado
por duas contradições existenciais.
O poeta francês compreendeu que a verdadeira poesia é uma
emanação do mundo interno da natureza e que a sua essência se traduz por uma
voz que sobe dos abismos da alma. Descobriu na história uma sucessão de
factos cuja finalidade têm a sua raiz nos séculos palingenésicos do
Ser. Viu assim que a história das existências se refunde na história dos seres
espirituais, em cujo seio está a realidade divina do mundo dos espíritos.
Para Victor Hugo, o apocalipse terreno desembocava num
apocalipse espiritual, dois processos que só se explicam pela lei da reencarnação.
A história morre, mas renasce com os espíritos; a sua objectividade está
determinada pelo encarnar e desencarnar dos seres espirituais, ou seja, pela
alma dos homens, antes espíritos, que encarnam e desencarnam. Kant tembém
pressentiu este mesmo fenómeno ao reconhecer a realidade de um mundo invisível
com a possibilidade de se comunicar com o mundo dos homens.
A reencarnação dos espíritos é a verdadeira base da história
humana, a que se mostra como processo visível na causa da história espiritual e
divina que a rege. Victor Hugo acreditou nesta dualidade histórica,
numa "história humana" fundada na história divina e
transcendental".
A reencarnação dos espíritos é uma penetração da história
divina temporal e humana. O processo de encarnação e desencarnação a
que estão submetidos os espíritos é a base real de todo o mistério histórico. E
a poesia de Hugo foi como uma revelação através da qual a beleza contribuiu com
o desenvolvimento da história em relação com a história espiritual e divina.
A inspiração do grande poeta
francês captou nas suas bases mediúnicas que não haverá história
natural e humana sem história espiritual e divina. O seu génio se
transfigurou de tal modo que pôde compreender que todo o humano é um processo
determinado pela reencarnação dos espíritos, ou seja, que a História e
Reencarnação são dois fenómenos movidos pelo mundo invisível.
O Espiritismo como
manifestação objectiva do Espírito de Verdade é a noção mais positiva para
deixar demonstrado que o mundo dos espíritos é a base real do mundo dos homens. Opera-se
assim uma transfiguração da morte pela força religiosa da mediunidade. De
contrário, o que seria a história sem a potência escatológica da mediunidade?
Resultaria um fenómeno sem sentido e um processo caótico destinado à morte e ao
nada.
Portanto, se a poesia de Victor Hugo foi profética é
porque foi religiosa, apocalíptica porque mediúnica.
Ela se uniu ao Espírito de Verdade para proclamar que Deus existe e que tudo
avança progressivamente com o fim de se instalar na Cidade dos Espíritos Puros. Os
críticos esqueceram que se Hugo foi genial é porque dentro de seu ser imortal
estava a luz do mundo invisível e que se a sua poesia determinou um romantismo
filosófico e religioso original é porque os tripés da ilha de Jersey lhe
abriram as janelas do infinito. Porque o génio de Victor Hugo sem
o fenómeno mediúnico resultaria num enigma, do mesmo modo que uma nova visão
histórica sem a lei da reencarnação do ser se tornaria um caos
entremeado de horror e beleza.
Victor Hugo acreditava na sua espiritualidade pessoal. Achou
no seu próprio ser as bases de todo um esquema metafísico e
religioso do universo. Sentia-se uma força ultra-material por cujo motivo a sua
carne se transfigurava. Era um vidente que via continuamente o para além das
coisas, o que o fez não se deter nos caminhos puramente materiais da vida. A
existência para o poeta foi uma senda que conduz ao conhecimento dos grandes
enigmas da natureza.
O seu génio nunca repeliu o cristianismo; pelo contrário,
viu na doutrina de Jesus a mais alta e acabada expressão das revelações
divinas. Por isso, a sua criação poética e literária difere da dos seus
colegas, que consideravam o homem somente um fenómeno fisiológico. O seu lema
era: "Existir para a Verdade", mas este existir não se apoiava
na vida efémera material. Ele pressentiu um existir infinito relacionado com o
mistério do universo. A vida para o poeta era uma espiritualidade invencível e
triunfante.
Acreditava no eterno porque via na natureza e na história
um princípio imortal, o que o fez ter fé nessa verdade inalterável
procedente de Deus. Acreditou nos "espíritos" da terra e do ar, da
água e do vento, como os iniciados medievais. Desde a sua infância, cultivou
uma filosofia espiritualista, que confirmou experimentalmente ao conhecer a
mensagem que lhe ditaram os tripés na ilha de Jersey.
Auguste Vacquerie, no seu livro As migalhas da
história, disse afirmativamente que Victor Hugo era
espírita, como o foram Théophile
Gautier, Victorien Sardou, Giuseppe
Mazzini, Camille Flammarion e outros pensadores dos
finais do século XIX. Acreditou realmente na imortalidade da alma e
na sua evolução palingenésica. Émile
de Girardin e Eugène Nus deram também testemunho de suas
convicções espíritas, como foi confirmado na edição de 7
de maio de 1899 do "Les Annales Politique et Litteraire''.
/…
Humberto Mariotti (i), Victor
Hugo Espírita, Victor Hugo e o Sentido da História, 12º fragmento
desta obra.
(imagem de contextualização: Criança com uma boneca,
pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON)
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