Imortalidade Pessoal ~
No seu avanço para a frente, o Espiritismo condena a volta
ao realismo medieval, as explicações empíricas dos modernos
filósofos, da era científica, mostrando-lhes a incoerência da sua posição
intelectual, e indica ao pensamento filosófico actual a única recta segura para
a solução da incógnita humana. Essa recta é a da investigação dos fenómenos
anímicos e espíritas, com o livre espírito científico, despojado de todos os
obstáculos de preconceitos, que hoje embaraçam e perturbam os que tentam
aventurar-se nesse terreno. Frederic Myers, William Crookes, Charles Richet e
todos aqueles que prosseguiram a obra desses pioneiros, até Oliver Lodge, e
presentemente o trabalho obscuro mas sereno e fecundo, das sociedades de
pesquisas psíquicas da Europa e da América, das instituições metapsíquicas e
das mais recentes sociedades de parapsicologia, estabeleceram suficientemente
as linhas dessa tarefa gigantesca de aclaramento do passado, do presente e do
futuro do homem terreno.
De nada valem e nada significam, para todo aquele que for
capaz de um pouco de raciocínio livre, as comuns alegações dos nossos
cientistas e filósofos, com referência às dificuldades de trabalho.
Essas alegações podem ser divididas em três grupos distintos, fora dos quais
dificilmente poderíamos colocar uma só das desculpas apresentadas:
a) a natureza vaga e imprecisa dos fenómenos, que não
se prestam a verificações concretas de laboratório, nem se subordinam às
condições específicas que permitam a sua produção sistemática;
b) a dificuldade de aplicação dos métodos científicos
ao elemento mediúnico, geralmente empolgado por concepções religiosas, e aos
círculos místicos em que eles actuam;
c) a inexistência dos fenómenos, que decorrem de
simples actos de prestidigitação, de ilusionismo e de esperteza, de acordo com
as indicações das numerosas fraudes já descobertas e denunciadas.
A primeira dessas alegações não tem sentido algum, do ponto
de vista científico, embora a encontremos quase sempre associada à segunda, na
maioria das justificativas dos homens de ciência, pelo seu desinteresse com
referência ao assunto. No livro de Eva Curie sobre a vida de sua ilustre mãe, madame Curie, encontramos a
alegação de que o famoso casal descobridor do polonium e
do radium se teria desinteressado das pesquisas psíquicas, em
virtude unicamente daquelas razões.
É interessante notar que cientistas habituados a todas as
subtilezas das mais avançadas teorias científicas, empenhados em pesquisas e
soluções que vão dos problemas esquivos da física nuclear até às fórmulas
matemáticas, mas nem por isso menos complexas, da teoria da relatividade, aleguem
subtilezas e dificuldades para fugir ao terreno das pesquisas metapsíquicas e
espíritas. Mais interessante ainda é verificar-se a insistência daqueles
que podemos classificar, em geral, como negativistas, sejam homens de ciência,
filósofos, intelectuais ou homens comuns, no afã de procurar, sempre e a todo
custo, qualquer outra explicação para os fenómenos, que não a espírita. Há
uma verdadeira fobia, da parte dessas pessoas, pelo Espiritismo.
Carlos
Imbassahy, no final do seu valioso livro Ciência Metapsíquica,
em que analisa a conferência de Richet, de despedida da Academia, pronunciada
na Faculdade de Medicina de Paris, a 24 de Junho de 1925, traça um rápido
estudo dos motivos dessa fobia.
Diz na sua última consideração, o sr. Imbassahy:
“Não iremos buscar no subconsciente os fenómenos
espiríticos, mas, pelo contrário, a aversão que eles causam. Nela é
que se encontrará a razão pela qual a hipótese dos espíritos é tão
violentamente afastada. Os que a afastam, nem sempre têm consciência do
motivo pelo qual o fazem.”
Parece-nos a mais justa tese proposta por Imbassahy. Os
meandros do subconsciente, que tudo explicam para certas pessoas, e que nunca
lhe pareceram mais difícil de devassar do que o “mistério” dos fenómenos
objectivos do Espiritismo, encerra os motivos múltiplos, as causas alérgicas
desse desinteresse “científico” pela hipótese espírita. Um trabalho
mais aprofundado, nesse terreno, mostrará mais hoje, mais amanhã, qual a
verdadeira posição dos homens que acham impossível tratar-se cientificamente
matéria já tratada dessa mesma maneira por homens como Crawford, Hyslop, Osty,
Geley, Myers, Aksakof e tantos outros nomes, que seria fastidioso enumerá-los.
No seu livro Raymond, sir Oliver Lodge, um dos nomes
de maior evidência na física moderna, declara taxativamente:
“Estou convencido da sobrevivência da personalidade depois
da morte, como o estou da minha existência na Terra. Poderão alegar que essa
convicção não se baseia na experiência dos meus sentidos. Responderei que
sim. Um cientista especializado em física não está sempre limitado
pelas impressões sensoriais directas; lida com uma multidão de coisas e
conceitos para os quais os seus sentidos são como inexistentes. A teoria
dinâmica do calor, por exemplo, e a dos gases; as teorias da electricidade, do
magnetismo, das afinidades químicas, da coesão e até o conceito do éter,
levam-nos a regiões onde a vista, o ouvido, o olfacto e o tacto são impotentes
para qualquer testemunho directo. Em tais regiões tudo tem de ser
interpretado em termos do insensível, do não-substancial, do imaginário.
Não obstante, essas regiões de conhecimento tornam-se-nos tão claras e
vivas como as coisas materiais. Fenómenos comuníssimos requerem
interpretações baseadas nas ideias mais subtis – a própria
solidez aparente da matéria pede explanação – e as entidades não
materiais com que os físicos jogam, gradualmente revelam tanta realidade como
tudo quanto eles conhecem sensorialmente. Como lord Kalvin costumava dizer,
“nós, de facto, sabemos mais a respeito da electricidade do que da matéria.”
A essas afirmativas de Lodge, podemos juntar o testemunho
científico e poderoso de Richet, com o seu Tratado
de Metapsíquica, o de William Crookes,
nos Factos Espíritas, e o de Immoda, nas suas Fotografias
de Fantasmas, para mostrar que a existência dos espíritos e a sua
comunicabilidade revestem-se, muitas vezes, de carácter mais decisivamente
material do que a de muitos dos próprios elementos comummente tratados pela
ciência. E isto, para ficarmos apenas nesses, entre as centenas de
testemunhos da mesma natureza e do mesmo valor.
Esses testemunhos revelam ainda a insustentabilidade
das alegações de que os fenómenos espíritas não se prestam a
verificações concretas de laboratório. Se os fantasmas foram apalpados por
Crookes e Richet, fotografados por Immoda e por aqueles dois cientistas, e por
muitos outros e continuam a ser fotografados, e se o próprio ectoplasma,
extraído do médium, foi submetido à análise química, é evidente que tais
alegações não passam de escusas sem fundamento.
Quanto às condições, também não procedem as desculpas. Um
pouco mais de interesse e de persistência no terreno das pesquisas dariam aos
interessados, por certo, as linhas seguras da produção do fenómeno. Basta dizer
que, apesar desse desinteresse, já sabemos hoje que certas coisas são
necessárias para a produção de certos fenómenos. Alegar que, apesar disso,
muitas vezes os fenómenos não se realizam, é procurar outra desculpa. Se os
fenómenos não se realizam, alguns dos elementos necessários devem estar em
falta. O experimentador consciencioso e paciente, e por isso mesmo cientista,
ao invés de se afastar do terreno por supor a existência de tal dificuldade,
procuraria descobrir as razões da falha. Pois é evidente que até mesmo nas reacções
químicas mais comuns não podemos desprezar os elementos indicados, e que a
simples deterioração de um desses elementos poderia impedir a produção do
fenómeno.
No tocante à alegação de que o misticismo do médium
ou dos componentes do grupo a que ele pertence impede a aplicação dos
métodos científicos, é também absolutamente desprovida de razão. Os factos já
relatados, os trabalhos realizados por grandes cientistas, demonstram o
contrário. E seria mais ou menos como afirmar que o espírito místico do povo
impediria a aplicação de métodos científicos no estudo de casos religiosos, das
manifestações de histeria, das chamadas auras milagrosas e dos fenómenos de
estigmatização. A verdade é bem outra.
Muitos médiuns não possuem esse espírito místico e religioso.
O doutor Luiz
Parigot de Sousa, médico paranaense, um dos maiores médiuns de efeitos
físicos e de voz-directa já conhecidos no Brasil, tinha dúvidas a respeito da
existência de Deus e manifestava má vontade pelas manifestações religiosas,
segundo o testemunho dos jornalistas Odilon Negrão, Wandyck Freitas e outros,
que com ele privaram. Não obstante, foi esse médium quem, através de suas
poderosas faculdades, convenceu o doutor Osório César, anatomo-patologista do
hospital de Juquery, em São Paulo, de que o seu trabalho, Misticismo e
loucura, contra o Espiritismo, estava errado nas premissas e nas
conclusões. Outro médium, ainda jovem, residente em São Paulo, José Correa das
Neves, conhecido por Zezinho, possuidor de faculdades semelhantes, não tem
podido ser suficientemente estudado em virtude da sua falta de firmeza e de
orientação no terreno religioso. Fosse ele um dos místicos a que se
referem os inimigos do Espiritismo, e talvez se submetesse mais facilmente, sem
tanta relutância, a experiências sistemáticas. Há outros que, muito
religiosos, nem por isso se esquivam a trabalhos científicos. É evidente também
que nenhum verdadeiro cientista alegará como motivo de impossibilidade para a
realização de estudos o facto de alguns médiuns se mostrarem arredios e
esquivos. O papel da ciência é justamente o de superar todas as
dificuldades opostas pela natureza às suas investigações.
A terceira série de alegações procede de poucos cientistas e
de muitos clérigos. Dizer que os fenómenos não existem, que não passam de
fraudes e mistificações, é simplesmente querer tapar o sol com peneira. Os
fenómenos não somente existem – e são facilmente constatáveis por milhares de
pessoas, em todo o mundo –, como constam de trabalhos científicos de fôlego,
irrefutáveis com uma simples negativa.
Mas há ainda uma quarta ordem de alegações contra o
Espiritismo. Essa, parte exclusivamente do clero, seja de protestantes ou de
católicos, e atribui a existência dos fenómenos à intervenção do
demónio. É tão pueril essa atitude, que não vemos necessidade alguma de
refutá-la. Entretanto, como Kardec, podemos lembrar que também aos ensinamentos
e aos milagres de Jesus, os clérigos da época respondiam com a mesma acusação.
Veja-se, por exemplo, a admirável descrição evangélica da cura de um jovem cego
junto ao tanque de Siloé (João, IX: 1-34) e o que disseram os sacerdotes judeus
a respeito.
Devemos, entretanto, assinalar nesse terreno o facto
auspicioso de que alguns sacerdotes já começam a compreender a inconveniência
de tal acusação. Ainda agora nos chega de Inglaterra a notícia de que a Igreja
Anglicana, a velha igreja oficial do império, acaba de publicar um
relatório, elaborado por vários sacerdotes, que confirma a existência das
comunicações espíritas, sem atribuí-las ao demónio. O conhecido pastor
protestante, rev. Otoniel Motta, publicou recentemente um opúsculo
intitulado Temas espirituais, em que descreve as suas incursões
pelo mundo dos fenómenos espíritas, confirmando a existência da comunicação de
espíritos, e não de simples artimanhas do Diabo. E o ex-padre católico, Huberto Rohden, figura
que foi do mais alto destaque do clero brasileiro, hoje afastado da igreja e
“refugiado” em Washington, onde lecciona numa grande Universidade, acaba de
publicar algumas notas biográficas, nessa capital, na revista protestante Unitas,
números de Julho e Agosto de 1950, relatando as suas pesquisas psíquicas, sob a
orientação do padre jesuíta Aloísio Gatterrer, na Áustria, para chegar à mesma
conclusão de que não se trata simplesmente de artimanhas do Diabo.
Assim, como vemos, a sobrevivência individual, a
imortalidade pessoal, em contradição à tese reaccionária do panteísmo-realista,
a que nos referimos no capítulo anterior, firma-se através de todas as
evidências. É ela confirmada pelo cientista insuspeito e liberto de
injunções dogmáticas ou de fobias subconscientes, reconhecida pelos clérigos de
pensamento mais arejado, constatada por todos os que lidam com sessões práticas
de Espiritismo, reafirmada gloriosamente nas obras de estudos metapsíquicos e
espíritas. Só mesmo os cegos que não querem ver – e são, como se sabe, os
piores cegos – teimam na expectativa, já agora sem razão, de um desmentido da
ciência oficial a essa grande esperança da humanidade.
Entretanto, como dissemos acima, se querem os cientistas
considerar inócua, suspeita, cientificamente inaceitável, toda a obra de
investigação realizada até agora, só lhes resta um caminho honesto: o
da realização de investigações sistemáticas, insistentes e profundas, nesse
terreno. Que se armem as academias do espírito necessário a essa grande tarefa,
mostrando, de uma vez por todas, que, se dizem não acreditar, também podem
provar que não temem os fantasmas.
/…
José Herculano Pires, O Sentido da Vida, Imortalidade
Pessoal, 9º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Platão e Aristóteles,
pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio, 1509)