Por esses
dados, em torno de nós se estabelece a ordem; o nosso caminho se
esclarece; mais distinto se mostra o alvo da vida. Sabemos o
que somos e para onde vamos.
Desde então não devemos mais procurar satisfações materiais, porém trabalhar
com ardor pelo nosso adiantamento. O supremo alvo é a perfeição; o caminho
que para lá conduz é o progresso. Estrada longa que se percorre passo a passo.
À proporção que se avança, parece que o alvo longínquo recua, mas, em
cada passo que dá, o ser recolhe o fruto de seus trabalhos, enriquece a sua
experiência e desenvolve as suas faculdades.
Os nossos
destinos são idênticos. Não há privilegiados nem deserdados. Todos percorrem a
mesma vasta carreira e, através de mil obstáculos, todos são chamados a
realizar os mesmos fins. Somos livres, é verdade, livres para acelerar ou para
afrouxar a nossa marcha, livres para mergulhar em gozos grosseiros, para nos
retardarmos durante vidas inteiras nas regiões inferiores; mas, cedo ou tarde,
acorda o sentimento do dever, vem a dor sacudir-nos a apatia e, forçosamente,
prosseguiremos a jornada.
Entre as
almas só há diferenças de grau, diferenças que lhes é lícito transpor no
futuro. Usando do livre-arbítrio, nem todos havemos caminhado com o mesmo passo
e isso explica a desigualdade intelectual e moral dos homens; mas todos, filhos
do mesmo Pai, nos devemos aproximar d'Ele na sucessão das existências, para
formar com os nossos semelhantes uma só família, a grande família dos bons
Espíritos que povoam o Universo.
Estão
banidas do mundo as ideias de paraíso e de inferno eterno. Nesta imensa oficina,
só vemos seres elevando-se por seus próprios esforços ao seio da harmonia
universal. Cada qual conquista a sua situação pelos próprios actos, cujas
consequências recaem sobre si mesmo, ligam-no e prendem. Quando a vida é
entregue às paixões e fica estéril para o bem, o ser se abate; a sua situação
se apouca. Para lavar manchas e vícios, deverá reencarnar nos mundos de provas
e ali purificar-se pelo sofrimento. Cumprida a purificação, a sua evolução
recomeça. Não há provações eternas, mas sim reparações proporcionais às faltas
cometidas. Não temos outro juiz nem outro carrasco a não ser a nossa
consciência, pois essa consciência, assim que se desprende das sombras
materiais, torna-se um julgador terrível. Na ordem moral como na física só há
efeitos e causas, que são regidos por uma lei soberana, imutável, infalível.
Essa lei regula todas as vidas. O que, na nossa ignorância, chamamos injustiça
da sorte não é senão a reparação do passado. O destino humano é o pagamento do
débito contraído entre nós mesmos e para com essa lei.
A vida
actual é a consequência directa, inevitável das nossas vidas passadas, assim
como a nossa vida futura será a resultante das nossas acções presentes, da
nossa maneira de viver. Vindo animar um corpo novo, a alma traz consigo, em
cada renascimento, a bagagem das suas qualidades e dos seus defeitos, todos os
tesouros acumulados pela obra do passado. Assim, na série das vidas,
construímos por nossas próprias mãos o nosso ser moral, edificamos o nosso
futuro, preparamos o meio em que devemos renascer, o lugar que devemos ocupar.
Pela lei da
reencarnação, a soberana justiça reina sobre os mundos. Cada ser, chegando a
possuir-se em sua razão e em sua consciência, torna-se o artífice dos próprios
destinos. Constrói ou desmancha, à vontade, as cadeias que o prendem à matéria.
Os males, as situações dolorosas que certos homens sofrem, explicam-se pela
acção desta lei. Toda a vida culpada deve ser resgatada. Chegará a hora em que
as almas orgulhosas renascerão em condições humildes e servis, em que o ocioso
deve aceitar penosos labores. Aquele que fez sofrer sofrerá a seu turno.
Porém, a
alma não está para sempre ligada a esta Terra obscura. Depois de ter
adquirido as qualidades necessárias, deixa-a e vai para mundos mais elevados.
Percorre o campo dos espaços, semeado de esferas e de sóis. Ser-lhe-á arranjado
um lugar no seio das humanidades que os povoam. E, progredindo ainda nesses
novos meios, ela, sem cessar, aumentará a sua riqueza moral e o seu saber.
Depois de um número incalculável de vidas, de mortes, de renascimentos, de
quedas e de ascensões, liberta das reencarnações, gozará vida celeste,
tomará parte no governo dos seres e das coisas, contribuindo com as suas
obras para a harmonia universal e para a execução do plano divino.
Tal é o
mistério da psique – a alma humana –, mistério admirável entre todos. A alma
traz gravada em si mesma a lei dos seus destinos. Aprender a soletrar os seus
preceitos, aprender a decifrar esse enigma, eis a verdadeira ciência da vida.
Cada farrapo arrancado ao céu da ignorância que a cobre, cada faísca que
adquire do foco supremo, cada conquista sobre si mesma, sobre as suas paixões e
os seus instintos egoístas permite-lhe uma alegria pura, uma satisfação íntima,
tanto mais viva quanto maior for o trabalho executado.
Eis aí o
céu prometido aos nossos esforços. O céu não está longe de nós, mas, sim,
connosco. Felicidades íntimas ou remorsos pungentes, o homem traz, nas
profundezas do ser, a própria grandeza ou a miséria consequente dos seus actos.
As vozes harmoniosas ou severas que em si percebe são as intérpretes fiéis da
grande lei, tanto mais potentes e imperiosas quanto mais elevado ele estiver na
escala dos aperfeiçoamentos infinitos. A alma é um mundo em que se confundem
ainda sombras e claridades, mundo cujo estudo atento nos faz cair de
surpresa em surpresa. Nos seus recônditos todas as potências estão em
germe, esperando a hora da fecundação para se desdobrarem em feixes de luz. À
medida que ela se purifica, as suas percepções aumentam. Tudo o que nos encanta
no seu estado presente, os dons do talento, os fulgores do génio, tudo isso
nada é, comparado ao que um dia adquirirá, quando tiver atingido as supremas
altitudes espirituais. Já possui imensos recursos ocultos, sentidos
íntimos, variados e subtis, fontes de vivas impressões, mas o pesado e
grosseiro invólucro embaraça-lhe quase sempre o exercício.
Somente
algumas almas eleitas, destacadas por antecipação das coisas terrestres,
depuradas pelo sacrifício, sentem as primícias desse mundo; todavia,
não encontram palavras para descrever as sensações que as enlevam e os homens,
na sua ignorância da verdadeira natureza da alma e das suas potências latentes,
têm escarnecido disso que julgam ilusões e quimeras.
/...
LÉON DENIS, Depois da Morte, Parte Segunda / Os Grandes Problemas XII – O Alvo da Vida.
(imagem de contextualização: La Petite Esmeralda_1874,
pintura de William-Adolphe
Bouguereau)
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