O nascimento e a morte determinam o trânsito especial entre
o Céu e a Terra. Dia e noite, sem cessar, descem e sobem os anjos pela escada
simbólica da visão bíblica de Jacob. Os anjos são espíritos, e o Apóstolo Paulo esclareceu que são mensageiros. Trazem e levam mensagens de um
plano para o outro. São mensagens de amor, de estímulo, de orientação e
encorajamento. As mensagens são dadas, na maioria, através das intuições,
na Terra, aos destinatários encarnados. Mas há também as que são dadas por
via mediúnica, através de um médium, ou através dos sonhos. Essa
comunhão espiritual permanente é conhecida desde as épocas mais remotas. Mas só
em 1857, com a publicação de O Livro dos Espíritos, de Allan
Kardec, em Paris, o problema foi encarado como positivo e levado à
consideração dos sábios e das instituições científicas. As Igrejas Cristãs,
tendo à frente a Católica Romana, levantaram-se contra essa colocação, que
diziam simplória, de um grave problema teológico. Só os clérigos e os teólogos,
segundo elas, tinham direito a tratar do assunto. Um século depois, a questão
estava nas mãos das Ciências e a Ciência Espírita, fundada por Kardec, era
colocada à margem do mundo científico, por não possuir um objecto legitimamente
científico, material, ao alcance dos sentidos humanos. Richet levantara,
na Metapsíquica, a tese do sexto sentido, e Kardec sustentava
que os fenómenos mediúnicos, pelo facto mesmo de serem fenómenos, constituíam o
objecto sensível da Ciência Espírita.
Em 1830 os professores Joseph
Banques Rhine e William McDougall lançavam na Universidade de Duke, na
Carolina do Sul (Estados Unidos da América) a nova Ciência da Parapsicologia,
para a investigação desses mesmos fenómenos. E em 1840 ambos proclamavam, com
os seus colaboradores, a prova científica da Clarividência. Dali em diante
cresceu rapidamente no mundo o interesse pelo assunto e surgiram pesquisas e
cátedras em todas as grandes Universidades da América e da Europa. Hoje a
questão é pacífica no plano científico, e mesmo no religioso, pois a Igreja
aceitou a realidade dos fenómenos e interessou-se efectivamente pelas
pesquisas. A Parapsicologia avançou rapidamente, seguindo a trilha da Ciência
Espírita, sem nenhum desvio.
Vencida a barreira dos preconceitos e das sistemáticas a que
se apegavam numerosos cientistas, a Parapsicologia definiu-se como a Ciência do
Homem. Rhine, ao aposentar-se na Universidade de Duke, estabeleceu a Fundação
para a Pesquisa da Natureza Humana. A Parapsicologia sustenta a natureza
espiritual do homem e as suas possibilidades de acção extensiva e intensiva no
plano físico e mental ou espiritual. “A mente, que não é física, age sobre a
matéria por vias não físicas”, declarou Rhine, apoiado por grandes nomes da
Ciência em todo o mundo. Essa declaração mudou o panorama cultural do planeta.
Hoje ninguém duvida, quando nasce uma criança, que se trata de um
espírito humano reencarnado biologicamente na Terra. Embora ainda
existam sectores científicos infensos à nova Ciência, firmou-se no mundo de
maneira definitiva. Os cientistas que a negam ou rejeitam são considerados como
retrógrados ou se definem a si mesmos como pertencentes a religiões que não
devem aceitar os novos princípios.
A morte perdeu o sentido de negação da vida. Os fenómenos
Teta, um dos últimos tipos de fenómenos paranormais pesquisados pela
Parapsicologia, nada mais são do que as comunicações mediúnicas.
Além do trânsito entre a Terra e o Céu – o mais movimentado do mundo – existe
agora a comunicação permanente entre os homens e os espíritos. As descobertas
físicas no plano das pesquisas sobre a estrutura da matéria mostraram que não
vivemos num mundo tridimensional, mas multidimensional. Os que
morrem na Terra passam para os planos da esfera semimaterial, de matéria
rarefeita, que a circunda, e, conforme o seu grau evolutivo, para as hipóstases espirituais
entrevistas por Plotino, na fase helenista da Filosofia Grega. Nas sessões
espíritas, em todo o mundo, milhares de pessoas conseguem conversar com amigos
e parentes mortos, que dão provas evidentes de sua sobrevivência após a morte.
As restrições dos sistemáticos e preconceituosos continuam, mas a realidade
impõe-se de tal maneira que essas restrições já diminuíram assustadoramente. A
Terra espiritualiza-se, apesar do materialismo das religiões. E a morte já não
amedronta milhares dos milhões de criaturas que morrem todos os dias.
Geralmente não se pensa no que isso representa para a
Humanidade. Entregues às suas preocupações absorventes do seu dia a dia, homens
e mulheres ainda vivem na Terra como há milhões de anos. Cuidam da vida sem se
preocuparem com a morte. Essa posição anestésica é útil na Terra, mas desastrosa
nos planos espirituais. Nas manifestações de espíritos (fenómenos teta)
pode avaliar-se o prejuízo causado às criaturas por essa alienação à matéria.
Embriagados pelos seus anseios de conquistas materiais, praticamente tragados
pela vida prática, a maioria dos que morrem não têm a menor noção do que
seja a morte. Entram em pânico após o trespasse, apegam-se depois a pessoas
amigas de suas relações, perturbando-as sem querer ou procurando, através
delas, sentirem um pouco da segurança perdida na Terra. Além desses prejuízos,
a falta de educação para a morte causa o prejuízo maior dos desesperos,
angústias existenciais e loucuras que hoje varrem a Terra em toda a sua
extensão. Por outro lado é preciso considerar-se os prejuízos imensos produzidos
pela ignorância das finalidades da vida. As próprias Ciências sofrem dessa
ignorância, que lhe barra o caminho de descobertas necessárias para a melhoria
das condições da vida terrena.
Por mais atilados e dedicados que sejam os cientistas, se
não tiverem conhecimento das leis fundamentais que regem o planeta e
condicionam a Humanidade, não podem penetrar nas causas dos males e os
problemas que enfrentam. É questão pacífica que a falta de conhecimento preciso
e amplo do meio em que estamos nos deixa entregues a perigos que não podemos
prever. É o que agora mesmo acontece, no caso da poluição perigosíssima do
planeta pelas exigências do desenvolvimento industrial. A falta de interesse
pela Ecologia mergulhou o mundo numa situação desastrosa, que ainda não sabemos
como poderemos superar. A Ciência ateve-se aos efeitos, deixando as
causas por conta da Filosofia e da Religião. Esta última fechou-se nos dogmas
ilusórios, mandando às calendas a questão fundamental das causas. Entregues aos
conhecimentos empíricos da realidade constatada nos efeitos, os homens
conseguiram realizar a façanha trágica da poluição total do planeta, com os
mais graves prejuízos para a vida humana, bem como os vegetais e os
animais. Descuidamos da morte e perdemos a vida. Se não mudarmos
urgente de atitude, transformaremos a Terra numa Lua sem atmosfera.
A nossa insistência na consideração escatológica da morte,
na sua função essencialmente destruidora – negando-lhe o papel fundamental de
controladora da vida e a de renovadora das civilizações –, parece ter provocado
uma reacção na nossa própria estrutura ôntica que nos transformou em
nadificadores de nós mesmos e de toda a realidade. O estranho
privilégio que pretendemos, de sermos os únicos seres condenados ao nada,
um Universo em que tudo se renova e se eleva, constitui a mais espantosa
contradição de toda a História Humana. Essa contradição monstruosa deforma
a figura do homem no mundo que ao contrário de imagem e semelhança de Deus,
aparece como a fera mais temível do planeta, onde as feras selvagens
são sistematicamente destruídas e devoradas pelo animal dotado de inteligência
criadora, sentimento, moral, compreensão de sua espiritualidade e sensibilidade
ética e estética. O humanismo apaixonado de Marx,
que sonhava sem o saber com o Reino de Deus na Terra, negou-se a si mesmo ao
formular a teoria do poder totalitário e absoluto de uma classe social contra
as outras. Larissa Reissner, que lutou pelos bolchevistas de armas na
mão, mostra-se desolada, nas páginas brilhantes de seu livro Homens e
Máquinas, ao referir-se aos campos de trabalhos forçados da URSS, em que
antigos e bravos companheiros de luta pagavam sob o poder soviético o preço de
suas ilusões para o fortalecimento do Estado-Leviatã de Hobbes. A terrível
dialéctica das revoluções sociais materialistas, sem Deus e sem coração, levou
o Marxismo ao pelourinho da lei de negação da negação, negando-se a si mesma no
processo histórico. Sem o respeito do homem por si mesmo, pela sua condição
humana, todas as tentativas de melhorar o mundo acabam na asfixia da
liberdade, nadificando o homem depois de transformá-lo em objecto. É essa
também a contradição fundamental de Sartre em O
Ser e o Nada e na Crítica da Razão Dialéctica. Mas
é precisamente das contradições entre a tese e antítese que podemos obter a
síntese que nos dá a verdade possível de cada problema.
Os anjos que descem pela escada de Jacob, na alegoria
bíblica, representam a tese da proposição existencial – a verdade possível do
Céu, ou seja, dos planos divinos, entendendo-se por divino aquilo que supera a
condição material. Mas são esses mesmos anjos que voltam para o Céu
representando a antítese. O trânsito espacial resulta da síntese humana
em que a proposta terrena e a resposta celeste se fundem no processo
existencial da transcendência. Por isso Kardec rejeitou as
revelações proféticas do passado, individuais e exclusivistas, que geraram as
religiões da morte, estabelecendo o princípio das revelações
conjugadas, de natureza científica, em que o mundo é a tese, o homem é a
antítese e a verdade é a síntese. Essa síntese, como acentuou Léon
Denis, é a mundividência espírita, de difícil compreensão para os anjos que
descem e ficam na rotina terrena, no círculo vicioso das reencarnações
repetitivas. A verdade possível é-lhes interditada, não por condenação divina,
mas por opção própria. Quando eles romperem o círculo vicioso
poderão compreender essa verdade, a verdade possível, ao alcance do
homem que soube transcender-se. Na dialéctica espírita o homem propõe a
tese, o espírito responde com a antítese e a Razão elabora a síntese do
conhecimento possível. A religião, como ensinou Kardec, é a consequência da
revelação espiritual fundida com a revelação científica. A verdade possível tem
a sua legitimidade e a sua validade precisamente nessa fusão. Os
limites da vida terrena condicionam a realidade humana às possibilidades
cognitivas da mente humana actualizada na matéria. O espírito revela um
princípio espiritual e o cientista revela a lei terrena a ela
correspondente. Só nesse processo de perfeito equilíbrio o homem pode
evitar os perigos do misticismo alienante, para viver na Terra em marcha para a
transcendência, através da Existência. É esse o processo que permite a fusão
dialéctica da Ciência com a Religião, como fundamento de toda a verdade
possível na Era Cósmica. Por isso, não insistimos no Espiritismo por
sectarismo ou proselitismo, mas pelo facto incontestável de só ele nos
oferecer os instrumentos conceptuais necessários à conquista da realidade.
Sem a fusão da afectividade com a razão não poderíamos atingir a síntese do
conhecimento geral, na fragmentação dos efeitos sem o esclarecimento das
causas. O método indutivo da Ciência permite-nos reunir os efeitos para a
compreensão possível da causa única e transcendente.
/…
José Herculano Pires – Educação para a Morte, A Escada
de Jacob, 13º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: O caranguejo,
pintura de William-Adolphe Bouguereau)