A floresta é o adorno da Terra e a verdadeira conservadora do globo. Sem ela, o
solo, arrastado pelas chuvas, cedo voltaria aos abismos do mar imenso. Ela
retém as largas gotas da tempestade nos seus tapetes de relva, no enredo das
suas raízes; ela as encaminha para as fontes e as entrega, pouco a pouco,
transformadas, tornadas fertilizantes e não devastadoras. Por toda a parte em
que as árvores desaparecem, a terra empobrece, perde a sua beleza.
Gradualmente, chega à monotonia, à aridez e depois à morte. Regeneradora por
excelência, a respiração dos seus milhares de folhas destila o ar e
purifica a atmosfera.
Do ponto de vista psíquico, já vimos, o papel da floresta
não é menos considerável. Ela foi sempre o asilo do pensamento recolhido e
sonhador. Quantas obras delicadas e fortes têm sido meditadas na sua sombra
fresca e mutável, na paz das suas potentes e fraternais ramadas! Quem quer
que possua alma de artista, de escritor, de poeta, saberá haurir nessa fonte
viva e transbordante a inspiração fecunda. Com o seu ritmo majestoso, a
floresta embalou a infância das religiões. A arquitectura sagrada, nas suas
mais altivas audácias, não tem feito mais que copiá-la. As naves góticas das
nossas catedrais, não são mais que a imitação de pedra, das mil colunatas e das
abóbadas imponentes dos bosques? A voz dos órgãos não é o frémito do vento,
que, segundo a hora, suspira nos roseirais, ou faz gemer os grandes pinheiros?
A floresta serviu de modelo às manifestações mais altas da
ideia religiosa na sua expansão estética. Nas primeiras idades, ela cobria a
superfície quase inteira do globo.
Nada mais impressionante para os nossos pais, que a antiga e
profunda selva dos gauleses, na sua grandeza misteriosa, com os seus santuários
naturais, onde se consumavam os ritos sagrados, os retiros por vezes cheios de
horror, quando os rumores da tempestade faziam ressoar o eco dos bosques e, do
seio das touceiras, subiam o grito das feras; cheia de encanto e de poesia,
quando, vindo à calma, o céu azul, a cristalina luz aparecia através da ramada
e o canto dos pássaros celebrava a festa eterna da vida. De século em
século, a alma céltica guardou o forte cunho da floresta primitiva e o
amor dos seus santuários, morada dos Espíritos tutelares que Vercingétorix e Jeanne d'Arc veneraram,
dos quais ouviram, na verde solidão, as vozes inspiradoras.
O espírito céltico é ávido de claridade e de espaço,
apaixonado da liberdade; possui intuição profunda das coisas da alma que
reclamam revelação directa, comunhão pessoal com a Natureza visível e
invisível. Eis por que ele estará sempre em oposição à Igreja Romana,
desconfiada dessa Natureza e cuja doutrina é toda cheia de compressão e de
autoridade. Os druidas e
os bardos foram-lhe
rebeldes. Apesar das conquistas romanas e das invasões bárbaras que facilitaram
a expansão do Cristianismo, a alma céltica, por uma espécie de instinto,
sempre se sentiu herdeira de uma fé mais larga e mais livre que a de Roma.
Inutilmente os monges procurarão impor-lhe a ideia de
ascetismos e de renúncia, a submissão a dogmas rígidos, a uma concepção lúgubre
da morte e do Além; o espírito céltico, na sua sede ardente de saber,
de viver e de agir, escapará a esse círculo estreito.
A ideia fundamental do druidismo é a evolução, a
ideia do progresso e do desenvolvimento na liberdade. Essa ideia é tomada,
em certa medida, à Natureza e completada pela Revelação.
Com efeito, a impressão geral que ressalta do espectáculo do
mundo é um sentimento de harmonia, uma noção de encadeamento, uma
ideia de fim e de lei, isto é, relações eternas dos seres e das coisas. A
concepção evolutiva emana do estudo dessas leis. Há uma direcção, uma
finalidade na evolução, e esse rumo traz o conjunto das vidas, por
gradações insensíveis e seculares, para um estado sempre melhor.
O Cristianismo, ou antes, o Catolicismo afastou
essa ideia, mas a Ciência torna a levar-nos para ela. Primeiramente, esta
espiritualiza a matéria, reduzindo-a a centros de força e nos mostra o sistema
nervoso, complicando-se cada vez mais na escala dos seres, para chegar ao
homem. As espécies bravias tendem a desaparecer diante da superioridade do
homem. Com o desenvolvimento do cérebro, o pensamento triunfa. A consciência
executa a sua ascensão paralela. Há aproximação entre as leis morais e as
certezas físicas e biológicas. A ordem que se manifesta nos dois domínios chega
a conclusões análogas. A Natureza é plástica, móvel quanto elas, e sofre a
influência do Espírito Divino.
Sendo essa evolução a lei central do Universo, o principal
papel da ordem social é facilitá-la a todos os seus componentes. A vida é,
pois, boa, útil e fecunda. Diante das perspectivas infinitas que ela nos abre,
todos os sentimentos deprimentes, pessimismo, dúvida, tristeza, desespero,
desaparecem para dar lugar às inspirações imortais, à esperança imperecível.
É esse génio da nossa raça, sobrelevando à onda das
invasões, sobrevivendo a todas as vicissitudes da História, reaparecendo sobre
vinte formas diversas, depois de períodos de eclipse e de silêncio, que explica
a grande missão e a irradiação da França na obra da civilização. Mais que
qualquer outra raça, os celtas, cujas origens se perdem no longínquo vertiginoso
dos tempos, se aproximam, pelo instinto hereditário, do mundo das causas e das
fontes da vida. Tanto na Ciência quanto na Filosofia, eles conseguiram muitas
vezes aplicar o pensamento desnorteado ao sentimento da Natureza e das suas
leis reveladoras, a uma concepção mais clara dos princípios eternos. Se
o entusiasmo e a lei célticos pudessem extinguir-se, haveria menos luz e
alegria no mundo, menos transportes apaixonados para a Verdade e para o
Bem. Desde há mais de um século, o materialismo alemão entenebreceu o
pensamento, paralisou o seu surto; podemos ver por toda a parte, à nossa volta,
os resultados funestos da sua influência. Mas, eis que o génio céltico
reaparece sob a forma de espiritualismo moderno, para esclarecer de novo a Alma
humana na sua ascensão; ele oferece, a todos aqueles cujos lábios estão secos
pelo áspero vento da vida, a taça da esperança e da imortalidade.
/...
LÉON DENIS, O Grande Enigma, Segunda
parte, O Livro da Natureza 3º fragmento, XI – A floresta (2
de 2).
(imagem de contextualização: Head of Divine
Vengeance, pintura de Pierre-Paul
Prud'hon)