Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida
e da história
Que somos? (X)
A Psicologia chamada positiva não pode, pois, conciliar os
seus postulados de paralelismo psicofisiológico e das localizações psíquicas no
cérebro, com os factos que acabamos de expor, nem explicar, por eles, os
fenómenos da memória, da subconsciência nem da identidade pessoal ou do eu psíquico
num organismo mutável, sujeito a constantes transformações, no qual nem um só
átomo material, nem uma só célula subsistem. Para admitir a lembrança, a
subconsciência e a nossa identidade, através das mudanças materiais e
celulares, há de se admitir, queira-se ou não, uma preformação da
consciência, um princípio espiritual permanente e um mediador
plástico de natureza etérea, semimaterial ou perispiritual, capaz de se
relacionar com o espírito e o seu organismo somático e servir de receptor das
impressões exteriores e de impulsionador dos movimentos motores.
Reduzir o campo da actividade sensitiva, motriz ou mental,
ao limite periférico do organismo e ao alcance dos órgãos sensoriais, foi o
propósito absurdo da Psicologia positiva. A exteriorização da motilidade e
da sensibilidade (telestesia), a televisão (ou visão à distância sem o órgão
visual), os fenómenos telepáticos, a clarividência, etc. opõem-se a tais
pretensões. Eles reclamam uma ciência mais experimental e dedutiva,
mais ampla e mais exacta. Como é que um sujeito exterioriza a sua
força motriz e põe em movimento, sem contacto, objectos pesados? Como é que um
sensitivo ou hipnotizado sente à distância a picada aplicada no ar ou na água
em que deixou impregnada a sua sensibilidade? Como ouve o clariaudiente a
voz psíquica que impressiona a sua alma sem ferir o órgão auditivo? Como é que,
nos casos de autoscopia, o sujeito percebe o interior do seu próprio organismo
e descreve minuciosamente a parte afectada de determinado órgão? Como é que uma
pessoa, ainda em estado normal, pode transmitir mentalmente a outra uma ordem e
esta ser cumprida exactamente? Como é que, nos fenómenos telepáticos, em sonho
ou estado de vigília, se transmitem e se recebem mensagens, avisos de doentes,
visões simbólicas, ou representativas de lugares, cenas, coisas ocultas,
acidentes, etc.? Como é que, enfim, nos casos de previsão e de sonhos
premonitórios, se chegam a conhecer acontecimentos que, estando no futuro, não
podem impressionar o cérebro?
Todos estes fenómenos e outros que omitimos são
de tão boa lei como qualquer outro fenómeno psicológico, não obstante
não entrarem no estreito marco da Psicologia positiva nem poderem ser
explicados pelos seus procedimentos empíricos.
Sem dúvida que os órgãos sensoriais não fazem aqui nenhum
papel e que os centros sensitivos e motores pouco ou nada têm que fazer. E
se, como dizem os psicólogos empíricos, toda a função psíquica se realiza
mediante um órgão e um centro cerebral, quais são os órgãos e os centros
cerebrais da telepatia, da clarividência, da premonição etc.?
Quais as vias fisiológicas pelas quais chegam e saem do
campo da consciência? Se podemos receber sensações, ter percepções
visuais, auditivas, tácteis (como no fenómeno de desdobramento), actuar à
distância, transmitir sensações, ideias, imagens, conhecimentos, sem
necessidade dos órgãos sensoriais e, sobretudo, desdobrar a nossa
personalidade, sair do nosso corpo e comprovar experimentalmente o eu
espírito e não o eu corpo, a que ficam reduzidas as afirmações e todo o
castelo de cartas da Psicologia positiva? (1)
E nós poderíamos dizer – se a Metapsíquica fosse uma ciência
definida – também ela está num impasse do qual não sairá senão
apoiada no Espiritismo, que lhe dá vida e a orienta na busca da
verdade, assinalando-lhe os extravios. Mas como não é uma ciência
definida e autónoma, posto que depende do Espiritismo, do qual é o seu aspecto
científico-experimental e a ele está ligada, queira-o ou não, pelos factos que
lhe dão fundamento e correspondem à ciência espírita, que os abraça e classifica
segundo a sua origem anímica ou espírita e, como os metapsiquistas mais
destacados (salvo raras excepções) foram e são espiritistas, cremos que o
metapsiquismo, depois de suas incursões pelo mundo das hipóteses anímicas e
extramateriais, voltará a integrar-se no Espiritismo, salvando-se assim do seu
impasse.
O Metapsiquismo (ou Metapsíquica, que é igual) é
o Espiritismo com a teoria de menos e muitas hipóteses forçadas
ou absurdas de mais; é uma ciência nova para o nome, mas o seu
conteúdo fenomenológico é o mesmo que abarca o Espiritismo, ainda que este não
o faça com maior amplitude.
Quanto às explicações anímicas racionais que dá dos factos,
são as mesmas que o Espiritismo dá também a determinada categoria de fenómenos
e não a todos, porque muitos deles ultrapassam o limite do anímico; reduzi-los
a este limite seria igual a reduzir os fenómenos supranormais da percepção
psíquica, etc. à categoria de fenómenos psicofisiológicos; seria ir contra a
natureza e evidência dos mesmos factos. São estes factos que o
Espiritismo não inclui na categoria anímica são os que os
metapsiquistas não-espiritistas dizem que “se podem explicar”, mas que “não
explicam”, com as suas hipóteses ou teorias chamadas “naturais”, por oposição à
teoria espiritista, que eles supõem “sobrenatural”, mas que se apresenta à
razão científica com mais naturalidade e também com mais verdade.
As mesmas objecções que fazem ao Espiritismo os
metapsiquistas modernos não-espiritistas são as dos sábios espíritas
no começo de suas experiências e investigações. Crookes, que também punha os seus senões à tese espírita e
aplicou a severa frase de Faraday à forma de raciocínio de alguns dos seus
partidários de que “muitos cães poderiam chegar a conclusões mais lógicas”,
acabou a dizer que um homem pode ser um verdadeiro sábio e sem dúvida estar de
acordo com o professor de Morgan, quando este diz:
“Fácil tem sido dar explicações naturais, mas até agora
insuficientes: e por outra parte, subsiste a dificuldade de admitir a hipótese
espírita, que é a mais satisfatória.” (ver A Força Psíquica,
de William Crookes).
Objecções análogas fizeram o doutor Otero
Acevedo, sábio céptico, a quem Aksakof chamou
o Torquemada do Espiritismo; Flammarion,
que duvidou durante 50 anos que os espíritos dos mortos interviessem nos
fenómenos mediúnicos e que declinou logo o seu cepticismo perante a evidência
das provas post-mortem; Varley, Wallace, Hodgson, Barrett, Myers e mil outros que do Animismo se
passaram ao Espiritismo; Lombroso foi talvez o sábio mais refractário à teoria
espiritista; depois de estudar os factos que havia negado a priori,
formulou a sua famosa teoria psiquiátrica, com a qual quis explicar todos os
factos, teoria que foi demolida pela crítica científica; logo, um estudo mais
profundo e as provas que dele adquiriu, convenceram-no da verdade espírita e
ele terminou procurando nas obras de Allan Kardec a
explicação de muitos factos, que as hipóteses “naturais” não lhe haviam dado.
Que sábio espiritista não passou pela fase do
“metapsiquismo” antes de haver obtido um convencimento completo? Leia-se
toda a literatura científica do Espiritismo e se verá a resistência, a
repugnância, melhor diríamos, que muitos sábios e pensadores espíritas sentiram
pela nossa doutrina, por crê-la uma de tantas religiões que enganam o mundo. É
que o Espiritismo não é coisa fácil de ser admitida, depois das afirmações do
positivismo materialista impermeabilizando as almas para toda a
noção espiritualista, especialmente para o sábio que, além dos seus prejuízos
de escola e da responsabilidade de suas afirmações, tem muitas saídas
na mente por onde escorrer os factos, quando estes vêm atirar por
terra teorias e afirmações preconcebidas.
A Metapsíquica (2) não
constitui uma ciência nova, posto que os fenómenos que estuda são os que o
Espiritismo vem estudando desde há três quartos de século e os seus métodos de
experimentação, ainda que aperfeiçoados com o progresso da ciência e devido em
grande parte ao aporte dos sábios espíritas, não têm variado fundamentalmente. O
nome de Metapsíquica (mais além da Psicologia) é igualmente aplicado ao
Espiritismo, que é um metapsiquismo mais completo e concorde com a variedade
dos factos.
O fenómeno espírita está, pois, constituído por uma variedade
de factos e manifestações de origem anímica e espírita, vale dizer: de
fenómenos supranormais que provam a existência do espírito como
entidade distinta do corpo somático e sem intervenção neles de
entidades extraterrenas e de outros fenómenos metapsíquico-espíritas, que
provam a preexistência e sobrevivência da alma e a intercomunicação entre os
espíritos encarnados e desencarnados.
A distinção
destas duas categorias de fenómenos de idêntica natureza foi
estabelecida – até ao limite que permitem a ciência e a lógica –
por homens experimentados no estudo do fenomenismo espírita, sobre a base dos
mesmos fenómenos e o conteúdo das manifestações feitas pelas mesmas entidades,
como pelas do mesmo médium (ou do sujeito hipnotizado) que se manifesta
subconscientemente, ou pelos que se comunicam por seu intermédio e dão provas,
em muitos casos, de sua identidade.
/…
(1) Conviria que os materialistas
dialécticos, que ainda seguem parafraseando Soreal ou
apoiados por Feuerbach, meditassem sobre estes factos, em vez de
negá-los por espírito de sistema: eles lhe diriam qual é o “ser real”, o
“sujeito e o objecto” e se a entidade psíquica, o eu espiritual, pode ou não
desvincular-se do corpo e ser tão real, ainda que não tão material como este. (2) Conhecida também como Parapsicologia.
Manuel S. Porteiro, Espiritismo Dialéctico,
CAPÍTULO I Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida e da
história – Que somos? (X), 10º fragmento da obra.