Fundamentos científicos da concepção neo-espírita da vida
e da história ~
Que somos?
(IX)
Nos casos de desdobramento observa-se que; "enquanto o corpo
do médium ou do hipnotizado" fica
reduzido a uma vida puramente vegetativa ou orgânica e as funções de relação
suspensas durante o transe, se exterioriza o corpo fluídico ou astral,
tomando, este, aspectos e cores determinados que variam segundo as pessoas. Albert de
Rochas, que o estudou na sua exteriorização, em especialidade, sustenta que
é exactamente a reprodução do corpo físico. Esta é também a afirmação do
engenheiro Gabriel Delanne, para quem não se limita à reprodução dos
contornos exteriores do ser material, mas também na interioridade da
estrutura perispiritual. Dito de outro modo: todos os órgãos do ser humano
existem na reprodução fantasmal, em virtude de uma preformação etérea, a qual,
se nos ativermos aos factos, pode variar e tomar formas, modalidades e até
personalidade distintas.
O mesmo acontece nos casos de bilocação,
em que o espírito do sonâmbulo, ou do extático, se translada com o perispírito a
um lugar distante, onde se encontra o seu corpo, com todas as suas faculdades
psíquicas e, se faz visível em muitos casos.
Mas onde o perispírito se manifesta em todo o seu poder e o
facto tem um valor mais probatório e significativo é quando se exterioriza
parcial ou totalmente fora do organismo, como nos fantasmas dos doentes e
dos chamados mortos, muitas vezes vistos, observados e até fotografados, como
se pode comprovar em fotografias transcendentais.
“... A parte que há em nós de idealista e
transcendental – diz o eminente físico Oliver Lodge –
é associada permanentemente com o eterno, para a actividade e a
intercomunicação igual à que mantemos agora com a matéria.”
Nesta super-estrutura etérea ou perispiritual é que se
radica o “mistério” das transformações psicofisiológicas e onde se deve ir procurar a explicação de todo o fenómeno psíquico normal e supranormal. Ela
é o verdadeiro meio transformador das sensações em percepções.
Sendo uma substância maleável e dúctil por sua natureza
etérea e estando subordinada à vontade do espírito, é capaz de adaptar-se às
várias condições do plano físico e, afinando-se a ele, servir-lhe de veículo.
O facto notório de que os amputados continuam a sentir dores
e impressões originadas por causas anteriores e que experimentem sensações
térmicas no lugar do membro amputado, prova a existência do perispírito e
que as supostas localizações cerebrais não são senão os verdadeiros
centros perispirituais, onde o espírito regista e conserva (apesar da constante
renovação da matéria e das células cerebrais) o conhecimento e a memória onde
têm origem todos os fenómenos psicológicos.
“... O sentido da integridade do membro amputado é a tal
ponto real – diz o professor Bozzano –
que se se conseguir distrair a atenção do mutilado, este percebe inclusive as
sensações que o membro inexistente deveria perceber, se não lhe faltasse” (i) e
considera esse facto como uma das modalidades do fenómeno de bilocação,
que não pode ser logicamente explicado se não se admitir o corpo fluídico
ou perispiritual.
Não faltam psicólogos que consideram este fenómeno como o
resultado de um hábito adquirido nas sensações reais e continuado nas
pseudo-sensações depois da amputação. Mas esta hipótese perde todo o seu
valor perante o conhecimento experimental que hoje se tem do perispírito e que
oferece uma explicação que nos põe em condições de poder compreender e explicar
este e outros fenómenos psíquicos e metapsíquicos não
explicáveis pela primeira hipótese.
Alguns metapsiquistas qualificaram a hipótese científica do
perispírito hoje perfeitamente demonstrada pelos factos de “pura ilusão”, não
obstante terem que fazer uso dela para explicar o fantasma fluídico dos
bilocados.
Respondendo a tal objecção, o professor Ernesto Bozzano
ressalta as diferentes modalidades pelas quais se determina o fenómeno da
exteriorização do corpo fluídico, demonstrando com factos a sua objectividade e
eliminando as hipóteses onírica e alucinatória que,
segundo ele, são as únicas que se podem opor a fenómenos desta classe. E a tal
objecto, estabelece as diversas gradações em que se produzem os fenómenos de
bilocação, começando pelos já mencionados da sensação de integridade dos
mutilados e seguindo com os fenómenos de autoscopia ou de desdobramento apenas
esboçado, em que o sujeito tem consciência de si mesmo e percebe o seu fantasma
à distância. São, portanto, os casos em que o espírito percebe o seu corpo
à distância; os fenómenos de desdobramento durante o sono natural; os do
sonambulismo provocado; os de desdobramento por acção anestésica; o que se
produz nos estados comatosos ou pré-agónicos; o do fantasma de um vivo, visto
simultânea ou separadamente por várias pessoas; o do duplo, visto por
sensitivos, e, por último, o percebido pelos assistentes de uma pessoa no
momento da morte.
O fenómeno da memória para ser explicado exige a existência
de algo permanente. A identidade e permanência das lembranças exigem a
identidade e permanência do eu. A lembrança não pode existir se
faltar a unidade psicológica que perdure. Se o espírito pode recordar
faltando-lhe (como nos casos de ablação mencionados) os centros cerebrais da
memória, é lógico afirmar que esta não se radica no cérebro.
É certo que para lembrar dos conhecimentos adquiridos – isto
é, aqueles que impressionaram o nosso cérebro – se requer, em estado normal,
determinadas condições psicofisiológicas, pois ainda que os conhecimentos
estejam gravados no perispírito, estando este ligado ao cérebro, normalmente
dele necessita para recordá-los, como no estado normal ou ordinário necessita
dos órgãos e centros de percepção para ver, ouvir, etc. Mas, nem é o
cérebro que possui os conhecimentos, nem os centros da memória que os recordam,
assim como não são os olhos que vêem nem os ouvidos que ouvem.
A conservação dos conhecimentos adquiridos pode existir (e
existe de facto) sem a lembrança; esta pode desaparecer do campo da consciência
e permanecer oculta durante a maior parte de nossa vida e reviver logo na
mente, em virtude de circunstâncias favoráveis à memória ou por acidentes que
afectem a normalidade do cérebro, ou ainda nas afluências mnemónicas dos
doentes...
“Quando a lesão cerebral é grave, quando a memória das
palavras está atacada profundamente, sucede que uma excitação mais ou
menos forte, uma emoção, por exemplo, devolve-nos a lembrança que parecia
perdida para sempre.
“Seria possível isso se a lembrança houvesse sido depositada
na matéria cerebral alterada ou destruída? O fenómeno produz-se como se o
cérebro servisse mais para rememorar a lembrança do que para conservá-la.”
E acrescenta:
“Se a lembrança não foi armazenada no cérebro, onde se
conserva? A pergunta onde, acaso tem sentido, quando nos referimos a outra
coisa que não um corpo? Os clichés se conservam numa caixa, os discos
fonográficos em embalagens, mas por que as lembranças, que não são coisas
visíveis nem tangíveis, terão necessidade de um continente e como seria
possível tê-lo? Essas lembranças estão noutra parte que não no
espírito?” (ii)
Sem dúvida, tanto a nova como a velha Psicologia pretendem
que a memória e, por consequência, as lembranças se prendem ao cérebro, mas nem
todos os seus representantes estão de acordo (e a razão é obvia) sobre a
natureza das impressões ou sinais cerebrais da memória. Desde Platão a Ribot,
não há mais do que hipóteses que se desvanecem sob o peso dos factos que
apontamos e outros que em continuação mencionaremos. Descartes acreditava
nas circunvoluções do cérebro, onde as lembranças estariam arquivadas; Malebranche,
em supostos sulcos comunicantes; Moleschott e
os seus seguidores, nas vibrações fosforescentes da matéria cerebral; Ribot e
os psicofisiologistas, nas marcas produzidas (não se sabe como, nem em que
consistem) por certas modificações dos movimentos nos centros corticais,
transformados uns em arquivo das palavras, outros dos movimentos, aquele da
música, este da pintura e, enfim, cada um com encargo e aptidão
especiais. A recordação é, pois, uma função privativa de certos centros: o Mozart músico
está todo contido no centro musical; o Vernet pintor,
no centro pictórico (iii) e assim todos os demais.
A tudo isto acrescentaremos os fenómenos supranormais de
subconsciência medianímica, em que o sujeito revela conhecimentos não
fixados nem arquivados no cérebro material, por não os haver adquirido durante
a vida terrena; o das crianças-prodígio, para quem, segundo a frase de
Platão, aprender é recordar; os fenómenos assombrosos de regressão
da memória obtidos pelo sonambulismo. Neste caso, o sujeito hipnotizado
retrocede no tempo, passando por diversas fases de sua vida terrena até
entrar no claustro materno e aparecer imediatamente numa existência anterior
com uma nova personalidade, completamente diferente e alheia à primeira, a
qual, por sua vez, seguindo um processo regressivo análogo, desaparece e,
assim, umas sucedendo-se a outras, vão desaparecendo as diversas personalidades
de um mesmo indivíduo, de um mesmo eu, ignorando uma à outra e todas deixando
dados mais precisos de suas respectivas vidas.
A memória subconsciente supranormal manifesta-se também em
muitas pessoas, como no caso de Lamartine,
do catedrático Damiani, dos escritores Ponson du Terrail, Dumas e Theóphile
Gautier, do poeta Mery e
mil outros, que têm afirmado (e em alguns casos demonstrado) possuir lembranças
de existências passadas, ou que reviram esse passado à vista de paisagens ou
diante de factos ou circunstâncias que lhes trouxeram à memória, ou, como no
caso do doutor Gustave
Geley, que conservava lembranças pré-natais dos momentos próximos à entrada
na vida material.
Ainda podemos juntar ao exposto os casos de loucura em que a
Psicofisiologia (e a Psiquiatria, inclusive) pretende ver factos que negam o
espírito como entidade substancial e distinta do organismo.
Na loucura não há loucos, não há demência, senão
diversos modos anormais de se mostrarem ajuizados em
razão de uma desordem orgânica ou desarmónica nas relações do cérebro e o
perispírito, ou por uma obsessão fixada no cérebro e da qual o espírito
não pode subtrair-se enquanto não seja neutralizada por uma sugestão de si
mesmo ou com a ajuda de outro poder sugestivo superior. O corpo não é
louco, o perispírito tampouco (e ainda menos o espírito), mas um ou o outro ou ambos
podem ser a causa da loucura e desde que aí suprimidas as causas, ficam
suprimidos os efeitos. Há loucos que não apresentam qualquer lesão no cérebro e
há ajuizados que têm o cérebro feito em pasta.
Surya (iv) conheceu um demente que, na
véspera de morrer, recobrou toda a lucidez do seu espírito e pôde conversar com
os seus parentes e amigos com o juízo e a lógica mais seguros.
/...
(i) O autor deste livro pode corroborar este facto com a
sua experiência pessoal: tendo perdido uma perna, conserva a sensação constante
da sua existência e mais de uma vez, esquecendo a falta do dito membro, reagiu
a uma sensação de prurido, de pressão ou de dor, levando a mão ou o pé da outra
perna ao lugar onde havia a sensação. E é curioso que nunca tenha podido
localizar no coto estas sensações que sentiu diferentemente nas diversas partes
do membro amputado, até ter a certeza da distância e do lugar exactos onde as
percebia. É significativo, por outra lado, que tendo sofrido uma ferida
profunda no dedo grande da perna amputada, sinta no mesmo lugar a sensação
característica da pressão e adormecimento dolorosos que sentiu durante 30 anos
e que persiste ainda quatro anos depois da amputação. Também assinalo que não
poucas vezes, distraído, busque com insistência a perna para vestir a calça ou
calçar o sapato e mais de uma vez sucedeu firmar o coto pensando firmar o pé.
(ii) O Materialismo Actual. Veja-se também Matéria e
Memória.
(iii) Ver J. Patrascoiu: Psicologia.
(iv) Ver a revista La Luz del Porveni (Barcelona) ou o
número de La Idea mencionado.
Manuel
S. Porteiro, Espiritismo Dialéctico, CAPÍTULO I Fundamentos
científicos da concepção neo-espírita da vida e da história – Que somos? (IX),
9º fragmento da obra.