(III de III)
Através da história dramática dessa ilha que
soube, pelos seus próprios meios e sem nenhum auxílio externo, reconquistar a
sua independência, reencontrar-se, sob a pena dos seus escritores, esse mesmo gosto dos mistérios do Além, do sentido encoberto das coisas, desse sentimento
profundo do oculto que caracteriza esta raça.
Sob os véus do Cristianismo aparece a alma primitiva dos
antigos celtas. Ela vibra na poesia gaélica como nas cordas
das harpas de Ossian.
O mundo invisível é, para os seus bardos, uma realidade viva e, se lhes
acontece, algumas vezes, atribuir-lhe nomes e formas fantasiosas, eles não
reconhecem menos, sob os seus aspectos diversos e inconstantes, a sobrevivência
e a imortalidade da alma humana.
Portanto, nos nossos dias, o sentimento do oculto tomou, na
Irlanda, nuances mais nítidas e mais precisas. Ele se revestiu de uma forma
experimental, tornando-se uma ciência, um método que tem as suas regras e as
suas leis. Neste país, como em todo o ocidente, os fenómenos do Além são agora
observados, estudados por técnicos conhecedores dos processos de laboratório e
que prosseguem essas experiências num rigoroso espírito de controlo com uma
atenção escrupulosa.
Os resultados obtidos pelo professor Crawford, de Belfast, com a Srta.
Goligher tiveram grande repercussão. Mas a obra mais importante sobre
esses fenómenos é, certamente, a de Sir
William Barrett, professor da Universidade de Dublin, membro da Academia
Real de Ciências e um dos fundadores da “Sociedade de Pesquisas Psíquicas de
Londres”, da qual foi presidente honorário. O seu livro No Limiar do
Invisível, traduzido para o francês (e para o português), publicado em
1923, é um dos mais notáveis que têm sido escritos sobre este vasto assunto.
Ele resume, de forma clara e em grande profundidade de vistas, os frutos de
meio século de observações e experiências.
Recomendamos a sua leitura e dele nos limitaremos a citar as
belas conclusões:
“A mudança mais radical do pensamento, desde a era cristã,
será, provavelmente, a aceitação, pela ciência, da imanência do mundo
espiritual. A fé cessará de hesitar ao se esforçar em conceber a vida do
invisível, a morte se despojará do terror que inspira aos próprios corações
cristãos, os milagres parecerão apenas relíquias supersticiosas de um tempo
bárbaro. Pelo contrário, se, como eu acredito, a telepatia é indiscutível, se
os seres da criação se impressionam reciprocamente sem a voz nem a palavra, o Espírito
Infinito, cuja sombra nos cobre, será, sem dúvida, revelado, no correr dos
séculos, aos corações humanos capazes de entendê-lo.
Para algumas almas privilegiadas foram dadas a intuição, a
clarividência, a palavra inspirada, mas todos nós, às vezes, percebemos uma voz
dentro de nós mesmos, débil eco dessa vida mais ampla que a humanidade expressa
lentamente, porém, seguramente, à medida que os séculos passam. Mesmo para
aqueles que estudarão esses fenómenos apenas sob o ponto de vista científico, o
benefício será imenso, fazendo-lhes mais evidente a solidariedade humana, a
imanência do invisível, a soberania do pensamento e do espírito, noutras
palavras, a unidade transcendental e a continuidade da vida.
Não estamos separados do Cosmo nem perdidos nele: a luz dos
sóis e das estrelas alcança-nos, a força misteriosa da gravitação une as
diferentes partes do Universo num todo orgânico; a mais pequena molécula e a
mais distante trajectória estão sujeitas ao mesmo meio. Mas acima e além desses
vínculos materiais, está a solidariedade do espírito. Do mesmo
modo que a significação essencial e a unidade de um favo de mel não estão na
cera dos alvéolos, mas na vida e no propósito dos seus construtores, do mesmo
modo o verdadeiro sentido da natureza não está no mundo material, mas no
espírito que lhe dá a sua interpretação, que suporta e une, que vai além e cria
o mundo fenomenal através do qual cada um de nós passa um momento.”
/…
LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível,
Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO II – A Irlanda (III de III), 10º
fragmento desta obra)
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que
morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, Ossian, Desaix, Kléber, Marceau, Hoche, Championnet,
pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)