Capítulo IV
A FILOSOFIA CIENTÍFICA DE GUSTAVE GELEY
O fenómeno mediúnico e metapsíquico pirmitirá à ciência antropológica um novo e amplo enfoque da existência do homem e do Universo. A teoria do paralelismo psicofisiológico, como já se assinalou, encontra-se em plena desvalorização, diante dos factos obtidos, especialmente os casos de físiologia supranormal, situados por Geley dentro dos cânones da ciência universitária. Este grande cientista e filósofo foi um dos estudiosos mais apaixonados da metapsíquica. A sua intuição não ficou na periferia dos fenómenos, mas penetrou nos seus extractos subjectivos, para mais tarde, sobre a base de factos inegáveis, apresentar uma filosofia metafísica idealista, como confirmação da doutrina espírita e dos seus postulados referentes à lei palingenésica.
Em seu livro, Do Inconsciente ao Consciente, Geley fez uma
crítica geral do conhecimento e dos sistemas naturalistas mais conhecidos,
para, a seguir, penetrar nos problemas mais importantes do Ser, fundamentando
assim uma importante teoria sobre o Espírito e a existência.
Ao estudar o inconsciente realiza um trabalho científico e
filosófico que lhe permite estabelecer uma notável teoria metapsíquica
e espírita, referente ao homem e ao Universo. Assinala que o estudo do
inconsciente, até à época moderna, se desenvolve sobre bases intuitivas e
metafísicas, e por isso mesmo se encontra emaranhado de obscuridades e
contradições. Mas acrescenta que esse estudo, ao entrar nos domínios da
filosofia científica, permitiu a fusão do génio oriental com o génio ocidental,
construindo-se assim a base e o arcabouço de um ideal filosófico e científico
capaz de abranger todas as aspirações e todos os ideais humanos. Reconhece em Schopenhauer o
mérito de haver sido o primeiro a relacionar a filosofia com os factos, ao
conceber o mundo como vontade e representação, e faz ao mesmo
tempo uma profunda análise do pessimismo do filósofo alemão. A este respeito,
acentua que o sistema pessimista de Schopenhauer não somente foi a consequência
de suas premissas filosóficas, mas que também se deve, muito especialmente, à
sua visão da vida. “Esta visão — escreveu Geley — inspira-lhe
imensa piedade: piedade pelos animais, que, quando não se devoram
reciprocamente, sofrem todas as misérias, num inferno em que “os homens são os
demónios”. Piedade pelos homens, que o desejo de viver conduz a penas e dores
só compensadas por alguns gozos muito espaçados e, por fim, baseados na
ilusão.”
Mas a estas amargas considerações, oporá Geley a sua
magnífica concepção da evolução palingenésica, pela qual os seres,
do inconsciente, realizarão a soberana consciência, a soberana
justiça e o soberano bem. Como veremos, nem o marxismo nem o materialismo
dialéctico, sobre o qual aquele se funda, nem o existencialismo ateu, foram
capazes de apresentar uma visão ideológica que permita chegar a uma conclusão
tão reconfortante para a alma humana, não obstante o génio filosófico que a
inspira, como a que oferece a filosofia palingenésíca de Geley, com os mesmos
fundamentos metafísicos e morais da filosofia espírita.
Ele, que teve a oportunidade de ver, com fé apostólica, as
mais vivas realidades espirituais e biológicas da metapsíquica, consolidou,
para o bem das gerações futuras, um esboço de idealismo filosófico, sobre o
qual se poderia dizer: “Se este idealismo não for verdadeiro, a espécie humana
jamais terá salvação, estando a alma do homem irremediavelmente destinada a
perecer entre as sombras da morte e do nada.”
Com a sua teoria sobre o indivíduo e a evolução, Gustave Geley começou
o seu trabalho filosófico, mas sempre com a maior cautela. Por isso nos diz: “Deixaremos
de lado, sistematicamente, tudo o que seja pura metafísica: os
temas de Deus, do Infinito, do Absoluto, do Princípio e do Fim, da
natureza essencial das coisas etc. Só enfrentaremos o que é possível saber e
compreender sobre o destino do mundo e sobre o destino individual, segundo o
grau de capacidade, a um tempo intuitivo e intelectual, que nos permite a
realização evolutiva actual.”
É evidente, acrescentava, que “isto é pouco,
relativamente; entretanto, é muito mais do que ensina a filosofia clássica”. Mas,
este sacrifício, ao qual se submetia Geley, permite,
dizia: “evitar todas as vãs discussões especulativas, todas as fórmulas
estéreis, todos os sistemas contraditórios, onde têm naufragado, umas após as
outras, as mais ilustres inteligências, e que já não têm actualmente mais do
que um interesse histórico ou artístico.”
Para este sábio metapsíquico e espírita os dois postulados
primordiais da filosofia — expostos magistralmente no seu citado livro — são os
seguintes:
1.°) — O que há de essencial no Universo e no Indivíduo
é o dinamopsiquismo único, a princípio inconsciente, mas
tendo em si todas as potencialidades. As aparências diversas e inumeráveis das
coisas são apenas as suas representações.
2.°) — O dinamopsiquismo essencial e criador passa,
pela evolução, do inconsciente ao consciente.
Como podemos ver, a concepção do homem e do Universo,
segundo o pensamento de Geley, talvez seja a
verdadeira ou, pelo menos, está assente sobre
um cálculo seguro de probabilidades. A observação dos fenómenos
metapsíquicos permitiu-lhe penetrar a verdadeira natureza do Ser e das coisas,
assim como uma queda de maçã permitiu a Newton descobrir os
segredos da lei da gravidade.
As aparências da matéria se desfizeram; com a realidade
metapsíquica, o homem surge na sua origem essencial, o que nos
demonstra que o ser humano é apenas uma representação
transitória, durante o período que dura a sua existência material:
é, numa palavra, uma materialização psíquica e espiritual. E esta tese não é
inverosímil, se levarmos em conta que a ciência trata agora da
materialização e desmaterialização da energia, assim como a metapsíquica
nos indica a materialização e desmaterialização de forças supranormais.
Quanta verdade e certeza havia em Geley, se pensarmos
nos progressos da Física moderna, quando declarava: “Fomos obrigados
a concluir que a forma não é mais do que uma ilusão temporal.” Ao
que acrescentava o seguinte: “Os órgãos e os tecidos não têm
verdadeiras determinações específicas; todos os órgãos e tecidos,
assim como nasceram de uma célula primordial única, a célula mater,
podem voltar, no curso da vida, a essa substância primordial única,
que, seguidamente, poderá organizar-se em novas formas e construir,
temporariamente, órgãos ou tecidos diferentes e distintos.”
Penetrou assim no conhecimento da teoria da unidade
substancial, ao referir-se ao corpo, do qual disse:
“Em uma palavra: tivemos que nos render à evidência de
que o complexo orgânico — o corpo — não tem nem qualidades definitivas
e absolutas, nem especificidade própria. Por sua origem, por seu
desenvolvimento; por suas metamorfoses embrionárias e pós-embrionárias, por seu
funcionamento normal, como por suas possibilidades chamadas supranormais, pela
conservação da forma habitual, como pelas desmaterializações e
rematerializações metapsíquicas, este organismo se resolve num
dinamismo superior que o condiciona.”
“O complexo orgânico se nos apresenta, não como o
indivíduo completo, mas como um produto ideoplástico do que há de
essencial no indivíduo: um dinamopsiquismo que o condiciona, e que é o todo.
Em termos filosóficos, o organismo não é o indivíduo, mas a representação do
indivíduo.”
A concepção materialista, que ensinava ser o indivíduo o
organismo, que encerrava em si todas as manifestações da actividade individual,
encontrou na concepção metapsíquica e espírita de Geley uma nova
explicação, que nos faz ver o homem e todos os seres como dinamopsiquismos
essenciais, indestrutíveis, eternos, que, por representações
sucessivas, avançam do inconsciente ao consciente mediante
a evolução palingenésica
O sábio francês resumia essa doutrina da seguinte maneira: Tudo
acontece como se o dinamopsiquismo essencial se objectivasse para
criar o indivíduo, não em uma representação única — o
organismo — mas em uma série de representações hierarquizadas, que
se condicionam umas às outras.”
/…
Humberto Mariotti (i), O
Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, 1ª PARTE O NÚMENO
ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo IV A Filosofia
Científica de Gustave Geley, 1 de 2, 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la
ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali)