| Para todos Natal de Paz, Esperança e boa vontade ~
Hoje fui dar o habitual passeio a pé até à igreja de Santa
Luzia. Descobri-me, entrei no adro e, do patamar da igreja que estava, como é
hábito, de portas fechadas, pus-me de pé olhando para o sol já frio de uma
tarde nebulosa.
Não estava por ali ninguém, mas falei com imensa gente. Mandei
recados e fiz pedidos, daqueles que – se não forem atendidos por falta de
mérito meu – sei que vão ser escutados. Deixei que os minutos passassem
tranquilamente sem medo de que a esperança das palavras perdesse a frescura e a
juventude. Ao lado há uma pequena colectividade recreativa e alguém ao som da
música de um rádio preparava qualquer coisa. Oxalá fosse uma festa de Natal.
É um óptimo prenúncio e um bom pretexto para fazer uma
crónica de Natal.
Preparei por isso uma prenda ecológica que tenho oferecido
com gosto, repetidas vezes, ao meu percurso predilecto de passeios a pé. Do
cemitério da Lousã à igreja de Santa Luzia e regresso, saio munido de dois
sacos de plástico. Lá mais para diante vou olhando para as bermas e para os
terrenos mais próximos e começo a contar as latas para refrigerantes de
alumínio vazias, metendo-as para dentro dos sacos. Coloco sempre dois sacos no
bolso e, se tenho à mão, pelo menos um que seja grande. Garrafas de cerveja,
plástico e todo o tipo de embalagens intrusas na paisagem campestre, para
dentro do saco!...
É hábito arrepender-me de não ter metido mais outro saco de
plástico dos grandes no bolso. Nunca consigo recolher toda a multidão de
contentores de vários tamanhos e coisas intragáveis para a terra mãe das
árvores, dos milheirais e dos pássaros.
Hoje por exemplo, armado em detective descobri um crime
objectivamente pessoal e intransmissível. Num pequeno terreno lavrado havia –
eu seja ceguinho – quase trinta latas de cerveja vazias, e a grande maioria de
uma só marca. Os homens que por ali tinham andado cavaram o que puderam, mas
traziam muita sede!... A ideia de fertilizarem a terra com latas de alumínio
deve ter-lhes parecido luminosa.
O resto é ao longo do percurso. Há muito senhor
automobilista e passageiros que hidratando-se na viagem, atiram com a embalagem
pela janela. Muito prático. Enfeita o solo de refulgências de cor vária. É o
esplendor publicitário, o rebrilhar do vidro e das cores eléctricas do design a
subtraírem à terra a sua gravidade milenar. Fica tudo mais alegre, mais
natalício.
Natal faz, no meu caso, lembrar o presépio, cenário que
dizem ter sido inventado por Francesco Giovanni di
Pietro Bernardone mais de doze séculos depois do nascimento de Jesus,
o nazareno.
A história é uma das coisas mais complicadas do mundo e quem
se ponha a ler coisas sobre isso vai encontrar tanto nome e tanta data que logo
fica duvidoso ter sido esse tal Francesco que se quis pobre, um tal de Assissi,
o que verdadeiramente inventou o rústico e terno cenário a que faço alusão.
Não faz mal que tenha sido assim ou de outra maneira.
E, naquela assembleia variada e subtil para quem falo no
adro da igreja de Santa Luzia (sem autorização eclesiástica) ninguém fica
triste, nem se zanga, nem me vêm fazer queixas daquele senhor espampanante de
ouro e pedras preciosas que celebra as missas solenes do Natal do Vaticano, e
que se passeia agarrado a um báculo de ouro que – vendido só a peso - já matava
a fome a milhares de crianças de África e, daqui a nada, do próprio Portugal
europeu e descobridor.
Em minha casa Natal é presépio, com vaca e burrinho, e que
Deus nos abençoe a todos.
/…
Costa Brites, Crónica
de Natal, de 13 de Dezembro de 2012, publicada na sua coluna
“Interioridades” que sai no quinzenário “Trevim”, da Lousã.
(imagem de contextualização: Mosaico de Maria
Ludgera Haberstroh ilustrando o Cântico das
Criaturas, na Liebfrauenkirche, Innenhof)
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