quarta-feira, 15 de abril de 2015

Crónica de Natal ~

| Para todos Natal de Paz, Esperança e boa vontade ~

Hoje fui dar o habitual passeio a pé até à igreja de Santa Luzia. Descobri-me, entrei no adro e, do patamar da igreja que estava, como é hábito, de portas fechadas, pus-me de pé olhando para o sol já frio de uma tarde nebulosa.

Não estava por ali ninguém, mas falei com imensa gente. Mandei recados e fiz pedidos, daqueles que – se não forem atendidos por falta de mérito meu – sei que vão ser escutados. Deixei que os minutos passassem tranquilamente sem medo de que a esperança das palavras perdesse a frescura e a juventude. Ao lado há uma pequena colectividade recreativa e alguém ao som da música de um rádio preparava qualquer coisa. Oxalá fosse uma festa de Natal.

É um óptimo prenúncio e um bom pretexto para fazer uma crónica de Natal.

Preparei por isso uma prenda ecológica que tenho oferecido com gosto, repetidas vezes, ao meu percurso predilecto de passeios a pé. Do cemitério da Lousã à igreja de Santa Luzia e regresso, saio munido de dois sacos de plástico. Lá mais para diante vou olhando para as bermas e para os terrenos mais próximos e começo a contar as latas para refrigerantes de alumínio vazias, metendo-as para dentro dos sacos. Coloco sempre dois sacos no bolso e, se tenho à mão, pelo menos um que seja grande. Garrafas de cerveja, plástico e todo o tipo de embalagens intrusas na paisagem campestre, para dentro do saco!...

É hábito arrepender-me de não ter metido mais outro saco de plástico dos grandes no bolso. Nunca consigo recolher toda a multidão de contentores de vários tamanhos e coisas intragáveis para a terra mãe das árvores, dos milheirais e dos pássaros.

Hoje por exemplo, armado em detective descobri um crime objectivamente pessoal e intransmissível. Num pequeno terreno lavrado havia – eu seja ceguinho – quase trinta latas de cerveja vazias, e a grande maioria de uma só marca. Os homens que por ali tinham andado cavaram o que puderam, mas traziam muita sede!... A ideia de fertilizarem a terra com latas de alumínio deve ter-lhes parecido luminosa.

O resto é ao longo do percurso. Há muito senhor automobilista e passageiros que hidratando-se na viagem, atiram com a embalagem pela janela. Muito prático. Enfeita o solo de refulgências de cor vária. É o esplendor publicitário, o rebrilhar do vidro e das cores eléctricas do design a subtraírem à terra a sua gravidade milenar. Fica tudo mais alegre, mais natalício.

Natal faz, no meu caso, lembrar o presépio, cenário que dizem ter sido inventado por Francesco Giovanni di Pietro Bernardone mais de doze séculos depois do nascimento de Jesus, o nazareno.

A história é uma das coisas mais complicadas do mundo e quem se ponha a ler coisas sobre isso vai encontrar tanto nome e tanta data que logo fica duvidoso ter sido esse tal Francesco que se quis pobre, um tal de Assissi, o que verdadeiramente inventou o rústico e terno cenário a que faço alusão.

Não faz mal que tenha sido assim ou de outra maneira.

E, naquela assembleia variada e subtil para quem falo no adro da igreja de Santa Luzia (sem autorização eclesiástica) ninguém fica triste, nem se zanga, nem me vêm fazer queixas daquele senhor espampanante de ouro e pedras preciosas que celebra as missas solenes do Natal do Vaticano, e que se passeia agarrado a um báculo de ouro que – vendido só a peso - já matava a fome a milhares de crianças de África e, daqui a nada, do próprio Portugal europeu e descobridor.

Em minha casa Natal é presépio, com vaca e burrinho, e que Deus nos abençoe a todos.

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Costa BritesCrónica de Natal, de 13 de Dezembro de 2012, publicada na sua coluna “Interioridades” que sai no quinzenário “Trevim”, da Lousã.
(imagem de contextualização: Mosaico de Maria Ludgera Haberstroh ilustrando o Cântico das Criaturas, na Liebfrauenkirche, Innenhof)

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