domingo, 3 de maio de 2015

As vidas sucessivas | os elementos ~

Apresentação ~ por Hermínio C. Miranda ~

Este livro é um clássico, uma referência, na longa busca de melhor entendimento do ser humano e das leis que regem a sua interacção com as pessoas, os fenómenos e eventos que se desdobram à sua volta, mas principalmente “dentro” daquilo que nos acostumamos a chamar de mente. Em suma, a sua interacção com a vida, nisso incluído, obviamente, o universo em que vive.

Foi a partir dele, ainda na década de 60 do século passado, que encetei os estudos que me levariam à elaboração de A Memória e o Tempo, na segunda metade da década de 70 e publicado no início dos anos 80.

Garimpei o original francês que deu origem a esta tradução, num sebo, como de tantas outras vezes, em momento feliz, por se tratar de edição raríssima de 1911.

Logo na primeira leitura, senti considerável impacto. Quanto mais o lia, relia e aprofundava a meditação sobre o seu conteúdo, mais impressionado ficava. Agradava-me a abordagem sensata e inteligente do autor, emoldurada por inesperada humildade intelectual de um cientista daquele porte.

De Rochas se punha como atento e curioso pesquisador, disposto a aprender com os factos, em vez de tentar enquadrá-los em rígido contexto de modelos preconcebidos, atitude comum àquele tempo, como ainda hoje, de parte dos que não se sentem encorajados e nem preparados para mudar e, por conseguinte, a progredir galgando patamares mais elevados de conhecimento.

A sua postura era, pois, despreconceituosa e atenta, mas aberta.

Outra coisa: o ilustrado coronel, engenheiro e conde não pretendeu considerar as suas reflexões como última palavra a ser religiosamente acatada pelos que o lessem. Ao contrário, atribuiu ao seu trabalho a modesta condição de um conjunto de documentos preliminares para estudo da questão, ao indicar a necessidade de pesquisas mais amplas e profundas que dessem continuidade à sua tarefa.

O seu livro, contudo, é muito mais que uma dissertação primária.

De Rochas relata as suas experiências, oferece conclusões sobre o que testemunhou e levanta aspectos inusitados da mente para os quais ainda não dispunha de explicações que satisfizessem os seus critérios pessoais, ainda que apontando em determinada direcção. Em outras palavras, não dogmatiza.

Ademais, ao empreender os seus estudos entre o final do século 19 e o início do século 20, não partiu de premissas propostas pelo espiritismo, cuja doutrina se achava, àquela época, bastante difundida ali mesmo, na França.

De início, estranhei esse procedimento. Hoje entendo-o como opção válida e medida de prudência destinada a preservar a isenção necessária ao trabalho em que se empenhava. Se ele partisse de conceitos doutrinários espíritas, caracterizando-se como militante do movimento que se expandia, os seus estudos ficariam certamente expostos à rejeição liminar por parte das correntes intelectuais da época, dominadas por pensadores de formação nitidamente materialista ou positivista – como ocorreu e ocorreria a tantos outros mais tarde.

Em nota de rodapé, ele explica que não cuidava especificamente de espiritismo, por entender que disso se ocupavam outros estudiosos. Sem ignorar ou negar os postulados espíritas – alude com respeito e admiração à obra de Léon Denis, por exemplo –, limitava-se a aspectos científicos que, directa ou indirectamente acabaram resultando em valioso suporte à inteligente doutrina dos espíritos.

Realmente, ao estampar na reencarnação a marca autenticadora da ciência, o seu estudo, mesmo preliminar, como ele o entendia, legitimava a realidade espiritual, tal como figura nos livros básicos de Allan Kardec.

Tenho insistido reiteradamente nos meus escritos em que essa realidade, fundamental ao entendimento da vida, é insusceptível de esquartejamento. Estamos aqui diante de um bloco inteiriço de conceitos solidamente colados uns nos outros.

No meu entender, a reencarnação é o cimento que mantém inseparáveis tais componentes. E que, demonstrada – como está há muito – a legitimidade da reencarnação, os demais aspectos exigem automática integração no modelo em que não se admite ignorar, no mínimo, a preexistência e a sobrevivência do ser à morte corporal.

Por outro lado, de Rochas pôs em evidência relevantes aspectos colaterais, como a lei de causa e efeito e, portanto, o mecanismo da evolução do ser rumo à perfeição e, ligado a esse conceito, sublinhando-o de modo subtil, mas dramático, a verdade subjacente de um claro componente ético necessário ao funcionamento daquele mecanismo. Deixou, ainda, informações do mesmo nível de importância acerca das faculdades mediúnicas e, portanto, do intercâmbio entre “vivos” e “mortos”. Nota-se, no desenrolar das suas experiências, a presença de entidades desencarnadas, bem como a evidência de um “espaço” cósmico invisível aos nossos sentidos habituais, “onde” vivem, sofrem, amam, odeiam, aprendem e se reciclam os seres espirituais entre uma vida e outra na Terra.

Disto se conclui que, a despeito de não se caracterizar como texto doutrinário espírita, o seu valioso trabalho oferece firme suporte aos ensinamentos e conteúdos dos livros básicos da Codificação.

Além disso, de Rochas deixou significativa contribuição ao estudo da própria memória, na sua interacção com o tempo. Conceitos como o de inconsciente – que começavam a emergir na época –, encontram nos seus trabalhos, tanto quanto na doutrina dos espíritos, encaixes precisos e espaço próprios, como procurei demonstrar em Alquimia da Mente.

Que eu saiba, foi ele quem primeiro colocou de maneira transparente a possibilidade de explorações no futuro, tanto quanto no passado do ser humano. Aparentemente inconclusivas, as suas “progressões” (mergulho na memória futura) deixaram vestígios importantes de uma realidade que somente cerca de um século mais tarde seria retomada para mais profundas explorações, como se pode conferir nos escritos da doutora Helen Wambach e de outros estudiosos como Chet Snow.

Por tudo isso, os textos de de Rochas – e este livro não é o único a solicitar a nossa atenção – merecem atenção, respeito e admiração.

Parabéns à Lachâtre por resgatar mais este importante depoimento científico de um injusto e demorado esquecimento.

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Albert de RochasAs Vidas Sucessivas  Apresentação, por Hermínio C. Miranda | Outubro de 2002, 4º fragmento solto da obra.
(imagem de contextualização: A aurora dos transatlan, pintura em acrílico de Costa Brites)

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