Deus e o Universo ||
Algumas objecções são, no entanto, de prever. Pode dizer-se,
por exemplo: as teorias sobre a matéria, sobre a força, sobre a inteligência,
tais as que formulavam outrora as escolas científicas e filosóficas, tiveram o
seu tempo. Novas concepções as substituem. A física actual nos demonstra que a
matéria se dissocia pela análise, se resolve em centros de forças, e que a
força se reabsorve no éter universal.
Sim, certamente, os sistemas envelhecem e passam; as
fórmulas gastam-se; mas a ideia eterna reaparece sob formas cada vez mais novas
e mais ricas. O materialismo e o espiritualismo são aspectos transitórios do
conhecimento. Nem a Matéria, nem o Espírito são o que deles pensavam as escolas
de outrora, e talvez a matéria, o pensamento e a vida estejam ligados por laços
estreitos, que começamos a entrever.
Certos factos, no entanto, subsistem e outros problemas se
impõem. A matéria e a força se reabsorvem no éter; mas, o que é o éter? É,
diz-nos, a matéria-prima, o substrato definitivo de todos os movimentos. O
próprio éter é atravessado por movimentos inumeráveis: radiações luminosas e
caloríficas, correntes de electricidade e de magnetismo. Ora, é perfeitamente
necessário que esses movimentos sejam regulados de certa maneira.
A força gera o movimento, mas a força não é a lei. Cega e
sem guia, ela não poderia produzir a ordem e a harmonia no Universo. Estas são,
no entanto, manifestas. No cimo da escala das forças aparece a energia
mental, a vontade que constrói as fórmulas e fixa as leis.
A inércia, dir-nos-ão, ainda é relativa, visto que a matéria
é energia concentrada. Na realidade, todas as partes constitutivas de um corpo
se movem. Entretanto, a energia armazenada nesses corpos só pode entrar em
potência de acção quando a matéria componente é dissociada. Não é o caso dos
planetas, cujos elementos representam a matéria no seu último grau de
concreção. Os seus movimentos não se podem explicar por uma força interna, mas
somente pela intervenção de uma energia exterior.
– “A inércia – diz G. Le Bon – é
a resistência de causa desconhecida, que os corpos opõem ao movimento ou
mudança de movimento. Ela é susceptível de medida que se define pelo
termo massa. A massa é, pois, a medida da inércia da matéria, o seu
coeficiente de resistência ao movimento.”
Desde Pitágoras até Claude Bernard, todos os
pensadores afirmam que a matéria é desprovida de espontaneidade. Toda a
tentativa de emprestar à substancia inerte uma espontaneidade – capaz de
organizar e de explicar a força – tem sido em vão.
É preciso, pois, aceitar a necessidade de um primeiro motor
transcendente para explicar o sistema do mundo. A mecânica celeste não se
explica por si mesma, e a existência de um motor inicial se impõe. A nebulosa
primitiva, mãe do Sol e dos planetas, era animada de um movimento giratório.
Mas quem lhe imprimira esse movimento? Respondemos sem hesitar: Deus.
É somente a ciência contemporânea que nos revela Deus, o Ser
Universal? O homem interroga a história da Terra; evoca a memória das multidões
mortas, das gerações que repousam sob a poeira dos séculos; interroga a fé
crédula dos simples e a fé raciocinada dos sábios; e, por toda a parte, acima
das opiniões contraditórias e das polémicas das escolas, acima das rivalidades
de casta, de interesses e de paixões, ele vê os transportes, as aspirações do
pensamento humano para a Causa que vela, augusta e silenciosa, sob o véu
misterioso das coisas.
Em todos os tempos e em todos os meios a queixa humana sobe
para esse Espírito divino, para essa Alma do mundo que se honra sob nomes
diversos, mas que, sob tantas denominações – Providência, grande
Arquitecto, Ser supremo, Pai celeste –, é sempre o Centro, a Lei, a
Razão universal, em que o mundo se conhece, se possui, encontra a sua
consciência e o seu eu.
E é assim que, acima desse incessante fluxo e refluxo de
elementos passageiros e mutáveis, acima dessa variedade, dessa diversidade
infinita dos seres e das coisas que constituem o domínio da Natureza e da Vida,
o pensamento encontra no Universo esse princípio fixo, imutável, essa Unidade
consciente em que se unem a essência e a substância, fonte primeira de todas as
consciências e de todas as formas, visto que consciência e forma, essência e
substância, não podem existir uma sem a outra. Elas se unem para constituir
essa Unidade viva, esse Ser absoluto e necessário, fonte de todos os seres, ao
qual chamamos Deus.
A linguagem humana é, entretanto, impotente para exprimir a
ideia do Ser infinito. Desde que nos servimos de nomes e de termos, limitamos o
que é sem limites. Todas as definições são insuficientes e, de certo modo,
induzem ao erro. Entretanto, o pensamento para se exprimir precisa de termo. O
menos afastado da realidade é aquele pelo qual os padres do Egipto designavam
Deus: Eu sou, isto é, eu sou o Ser por excelência, absoluto,
eterno, e do qual emanam todos os seres.
/…
Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte Deus e o Universo, I O
grande Enigma 2 de 5, 5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: La Madonna de Port
Lligat, detalhe | 1950, Salvador Dali)
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