sábado, 26 de outubro de 2024

o grande desconhecido ~


O Espírito como Elemento da Natureza |

Os conceitos de naturalidade e normalidade decorrem das experiências da Cultura Empírica e subsistem na Cultura Científica como resíduos daquela fase primária. Esses resíduos emocionais foram alimentados ao longo de todo o processo religioso, por enquadrarem-se na concepção mágica e mística do Universo Misterioso, inacessível à compreensão humana normal. As Religiões ligaram estreitamente esses conceitos aos do sagrado e do profano e não tiveram condições para superá-los. O misticismo é uma forma de alienação, de fuga necessária do homem à dureza da realidade objectiva, onde as leis da estruturação sensorial agem de maneira inflexível. O místico é um desertor do real. O anseio de transcendência no homem, não esclarecido na sua motivação, leva-o a rejeitar o real e buscar o sucedâneo de uma suposta realidade, imaginada como refinamento do real-sensível. Surgem daí as categorias do espiritual e do material, que se mostram confusas na fase mitológica e posteriormente geram a divisão arbitrária e misteriosa das concepções teológicas. Os principais factores desse processo são:

a intuição da indestrutibilidade do ser;
o medo da morte como aniquilamento total;
o desejo de libertação do condicionamento material.

O ser é o que é e recusa-se a deixar de ser. Ele se reconhece como forma existencial subjectiva integrada na estrutura objectiva da realidade material, mas sabe por experiência empírica que esse condicionamento material é efémero e terá fatalmente de se desfazer na morte. O instinto de conservação leva-o a reagir contra essa fatalidade. As provas de sobrevivência dadas pelos fenómenos mediúnicos não o satisfazem, pois essa sobrevivência espiritual o desliga do sensível, a única que lhe parece natural. Ele se apega a essa realidade através de uma concepção mística indefinida, que lhe permite aceitar a possibilidade de uma continuidade natural após a morte. As múmias e os mausoléus egípcios, o paraíso sensorial dos árabes e os dogmas religiosos da ressurreição no próprio corpo carnal atestam essa esperança no próprio processo histórico. Há pessoas cultas, ainda hoje, que não conseguem conceber a sobrevivência humana após a morte em termos espirituais. Condicionaram a sua mente, de tal maneira, ao mundo tridimensional, assustadas com os delírios da cultura religiosa, que temem afastar-se da segurança sensorial da matéria. A concepção materialista do mundo, tão absurda como a concepção mística, nasce da frustração do ser ante o pandemónio das alucinações do fabulário religioso. Kardec teve de agir com prudência na divulgação do Espiritismo, para que a reacção violenta e fanática das religiões não asfixiasse no berço a nova mundividência que nascia das suas pesquisas mediúnicas. Mas no seu livro O Céu e o Inferno colocou o Cristianismo sincrético da igreja no banco dos réus e mostrou que a mitologia dos clérigos era mais absurda e mais cruel do que a do mundo clássico mitológico. A vida eterna oferecida pela Igreja depende de quinquilharias sagradas, de crendices simplórias, de condicionamento mental a um dogmatismo irracional, enquanto os mitos do paganismo se radicavam na realidade empírica, nas experiências naturais do homem no mundo e na lei universal da metamorfose, da incessante transformação das coisas e dos seres ao longo do tempo e do processo histórico racional. A indestrutibilidade do ser não se condicionava, no pensamento mitológico, às exigências de uma corporação religiosa artificial e autoritária, mas às condições visíveis e palpáveis da realidade natural. A simbologia mítica não criava a loja de bugigangas, não dependia de um comércio de contrabandistas nas fronteiras despoliciadas da morte, mas de representações emotivas da sensibilidade humana ante os mistérios do mundo ainda indevassável. A indestrutibilidade do ser, e, portanto, a sua imortalidade, decorria espontaneamente da indestrutibilidade do mundo, em que as coisas e os seres se transformam por lei natural, sem depender de bênçãos ou maldições sacramentais. Os deuses nasciam das águas e da terra, como nascem todas as coisas. Essa naturalidade do pensamento mitológico foi rejeitada pela cultura teológica, que fugiu do real para o irreal, do natural para o imaginário.

O medo da morte como destruição total do ser humano tinha no paganismo a compensação da continuidade da alma além das dimensões da matéria. Sócrates expôs bem esse problema ao defender-se no tribunal de Atenas. Segundo a apologia que Platão lhe dedicou, Sócrates considerou a morte como natural e até mesmo conveniente na idade em que se encontrava. Lembrou que os juízes que o condenaram também já estavam condenados e analisou as duas alternativas da morte: sobreviver a ela e encontrar os sábios do passado no plano espiritual, o que seria uma felicidade, ou não sobreviver e dissolver-se no todo, o que seria o descanso total. De nenhum modo a morte o preocupava. A lei humana que o condenara apenas apressava o cumprimento inevitável da lei natural a que todos estão sujeitos. Ele era médium vidente e audiente, consultava sempre o seu daimon ou espírito protector, conhecia o problema da sobrevivência espiritual, mas falava a homens que não tinham essa experiência e usava o raciocínio mais apropriado ao momento. Esse episódio nos mostra que o medo da morte não era tão angustiante entre os gregos pagãos, que encontravam no pensamento dos filósofos uma consolação racional que a Igreja Cristã jamais ofereceu aos seus adeptos, sempre aterrorizados com o julgamento final, a ira de Deus e as crueldades eternas a que estariam sujeitos se caíssem nas garras do Diabo. Entre os celtas, nas Gálias devastadas pela brutal conquista romana, os bardos cantavam nas tríades druídicas, a felicidade dos que sobreviviam após uma existência dedicada ao cumprimento dos deveres humanos. A morte não os assustava. Mas o terror cristão da morte, na era teológica de deformação do Cristianismo, revestiu a morte com todos os aparatos trágicos de uma civilização insegura e angustiada, semeando o terror na mente popular. A pressão excessiva dessa forma coercitiva de terrorismo mental. Como em todos os excessos, a pressão esmagadora gerou a revolta e a descrença, levando os cristãos a optar pela segunda alternativa de Sócrates: o materialismo inconsequente, mas pelo menos racional.

Era natural e inevitável. Só a volta à experiência empírica poderia sustar a evasão mística, reconduzir os homens ao bom-senso, às medidas controladoras do pensamento racional. O desejo de libertação do condicionamento material, provocado pelo êxtase místico, pelos delírios da imaginação excitada, tinha de chocar-se com a dúvida metódica de Descartes e logo mais com o cepticismo desolador e o materialismo árido. Era necessário esvaziar o mundo das alucinações teológicas para que o homem voltasse a pisar o chão, a apalpar a terra. Kardec assinalaria, mais tarde, que a finalidade do Espiritismo era transformar o mundo, afastando o homem do egoísmo e do materialismo. Mas isso porque, no seu tempo, a vitória da razão já se definia, através das conquistas científicas de três séculos, do XVI ao XVIII, preparando o século XIX para a Renascença Cristã através do Espiritismo. Nessa fase, tão próxima da nossa, urgia restabelecer no homem a fé em termos de razão, mostrar-lhe que a insensatez mística devia ser corrigida pela experiência não menos insensata do materialismo. Se a mística levara o homem a querer fugir das limitações corporais através de cilícios e isolamentos negativos, que o afastavam das experiências da relação humana, o materialismo o levava a agarrar-se ao corpo, perdendo a visão espiritual da sua realidade subjectiva. A grande tarefa do Espiritismo se definia com clareza: era conter a emoção e a imaginação, ligar a fé à razão, unificar o psiquismo humano nos quadros da realidade terrena.

Era o que Jesus havia feito na Palestina, combatendo os excessos do misticismo judeu e as misérias do materialismo saduceu. O Espiritismo dava continuidade, quase dois mil anos depois, ao pensamento cristão desfigurado pelo sincretismo religioso dos clérigos ambiciosos, que não vacilavam em trocar o Reino de Deus pelos reinos da Terra. Kardec podia então proclamar a verdade simples que não havia sido aceite, por falta de condições culturais válidas: o espírito não era sobrenatural, mas natural, o parceiro da matéria na constituição de uma realidade única, a realidade espiritual e material do mundo e do homem. A conclusão de Kardec é límpida e simples: os espíritos são uma das forças da Natureza. Sem compreendermos isso não poderemos compreender o Espiritismo. Espírito e matéria são os elementos constitutivos de toda a realidade. Esses elementos são dimensionais, constituem dimensões diversas da realidade única. Não podemos dividi-los em natural e sobrenatural, pois ambos se fundem na unidade real da Natureza, como a Ciência actual o demonstra, sem ainda compreender as suas conexões profundas e subtis.

Léon Denis, discípulo e continuador de Kardec, considerou o Espiritismo como a síntese conceptual de toda a realidade. O mistério da Trindade, que se manifesta em forma mitológica ou mística em todas as grandes religiões do mundo, define-se na racionalidade espírita nos termos da explicação kardeciana:

Deus
Espírito
Matéria

Deus é a Inteligência Suprema, a Consciência Cósmica de que tudo deriva e que a tudo controla. Só Ele é sobrenatural, pois sobrepõe-se a toda a Natureza. É a Unidade Solitária da concepção pitagórica, que paira no Inefável. Esse é o seu aspecto transcendente. Mas Pitágoras nos fala de um estremecimento da Unidade que desencadeou a Década, gerando o Universo. E temos, assim, o aspecto imanente de Deus, que se projecta na sua criação e a ela se liga, fazendo-se espontaneamente a sua alma e a sua lei: Dessa maneira, o próprio Sobrenatural se torna Natural. A consciência Cósmica impregna o Cosmos e imprime-lhe o esquema infinito dos seus desígnios. Leibniz desenvolveu a teoria da mónada para explicar filosoficamente o processo da criação. As mónadas seriam partículas infinitesimais do pensamento divino que, como as sementes, trazem em si mesmas o plano secreto daquilo que vai ser criado. Da dinâmica das mónadas invisíveis aos nossos olhos formam-se os reinos naturais:

Mineral
Vegetal
Animal
Hominal
Espiritual.

Esse processo criador é explicado por Kardecsob orientação do Espírito de Verdade, como um desenvolvimento incessante das potencialidades monádicas, num fluxo evolutivo que sobe sem cessar dos reinos inferiores aos reinos superiores. Léon Denis explica esse fluxo numa expressão poética: A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem. Deus, a Lei Suprema, controla todo esse processo nos seus mínimos detalhes. A alma é a mónada, princípio individualizador que se caracteriza como princípio inteligente n’O Livro dos Espíritos. É assim que o espírito estrutura a matéria dispersa no espaço infinito. As hipóteses científicas do Universo Finito decorrem da incapacidade da Ciência para abranger a infinitude cósmica. Kardec adverte que, por mais que ampliemos os limites supostos do Universo, sempre haverá na nossa imaginação uma infinita continuidade do espaço cósmico. A consideração científica dos limites é puramente metodológica, determinada pela necessidade de ordenação na nossa mente. A própria Criação é infinita, incessante. Gustave Geley, metapsíquico francês, considera a mónada como um dínamo-psiquismo-inconsciente que dirige a constante metamorfose das coisas em seres, até chegar ao homem, que por sua vez, tomando consciência do seu destino, se transforma em anjo, integrando o reino espiritual da Angelitude, dos espíritos superiores.

Nessa cosmogonia dinâmica vemos que nada escapa do plano natural. Os espíritos nascem das entranhas da matéria, inseridos nela e nela se metamorfoseando. Os filósofos existenciais do nosso tempo referendam nas suas teorias essa concepção naturalista do espírito. Pois o que é o espírito senão a própria criatura humana? A morte nos mostra que o corpo perece, mas o espírito não. Ensinava o Padre Vieira: Quereis saber o que é a alma? Olhai um corpo sem alma. A Filosofia Existencial proclama: A existência é subjectividade pura. E a existência, no caso, é o espírito, que faz do homem um existente, um ser que existe, sabe que é e por que existe e busca a sua transcendência. A Vida é comum a todas as coisas e todos os seres, mas a Existência é a condição específica do homem, que não se limita a viver, mas luta por transcender-se. Nessa transcendência o homem passa da humanitude (do reino hominal) para a Angelitude (o reino espiritual). Sendo o espírito a nossa própria essência, o que somos realmente, com toda a nossa personalidade, é evidente que o espírito não é sobrenatural, mas natural, um elemento vivo e dinâmico da Natureza. Quando tomamos consciência dessa concepção espírita do mundo e do homem, a realidade se impõe à nossa mente, afugentando as confusas e incongruentes fabulações teológicas.

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José Herculano Pires, Curso Dinâmico de Espiritismo, 2 – O Espírito como Elemento da Natureza, 3º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: O monge estuda as Escrituras | 1877, lápis e giz-estudo ao painel “A Educação de São Luís” Panteão, Paris (a mesma imagem, do monge, aos pés de Branca de Castela e de São Luís, nesse painel, óleo sobre tela) ambos de Alexandre Cabanel

sábado, 5 de outubro de 2024

O Homem e a Sociedade numa nova Civilização ~ do Materialismo histórico a uma Dialéctica do espírito ~


Capítulo VII ~

~~ Rumo ao Estado Metapsíquico ~

Se é possível que o espiritual exista na natureza humana, a sua descoberta só poderá obter-se mediante a exploração extrassensorial, segundo a prática da parapsicologia. O raciocínio metafísico e teológico já não convence o espírito crítico da idade actual. Daí que Lecomte du Nouy expressava acertadamente: “Não podemos combater os tanques com a cavalaria, nem os aviões com arcos e as flechas. Utilizou-se a ciência para solapar os fundamentos da religião. Devemos empregar a ciência para consolidá-la.” (i)

A parapsicologia não é uma evasão da realidade material; pelo contrário, é uma tomada de posse dessa realidade, para transformá-la noutra, mais lógica e firme, mediante a descoberta do númeno que a anima. É indubitável que esse espírito que rege a realidade visível será conquistado pela investigação parapsicológica e mediúnica, desde que, por medo às conclusões da verdade espiritual, não se detenha na periferia do Ser.

Apesar das reservas que se adoptem, para que a parapsicologia se abstenha de toda a hipótese que transcenda o domínio estritamente científico(ii) abre-se perante ela uma zona extracientífica que tem relação com o que se pode chamar o ser transcendente do homem. De maneira que manter a parapsicologia nessa ordem psíquica que se assenta apenas em actividades e funções do psiquismo humano, segundo deseja Robert Amadou, é não reconhecer a possível razão que assiste ao filósofo parapsicológico, em favor da imortalidade da alma, quando se defronta com essas tremendas realidades metapsíquicas que apresentam os fenómenos supranormais, como são as materializações de seres vivos, comprovadas e admitidas pelos maiores sábios da humanidade.

O experimentalismo crítico e analítico das ciências parapsicológicas será o único factor positivo que deterá a acção demolidora do materialismo. Não nos esqueçamos de que o chamado realismo marxista é mais poderoso que os milagres e as apelações da teologia. Acreditamos que os únicos elementos espirituais, que poderão salvar o sentido religioso do homem são as realidades do fenómeno espiritista, acompanhadas pelos esforços experimentais da parapsicologia. (iii)

Nos tempos novos, já não se trata de conformismo nem de crenças sem provas: esta atitude será agora a de uma parte mínima da humanidade, mas nunca a dessa maioria ateísta e antiespiritualista que nega enfaticamente hoje o que aceitou até ontem de maneira cândida. Se é certo que existe uma necessidade de acreditar, o desenvolvimento mental do homem exige novo modo de aceitar as crenças: aspira a crer sobre as bases de um seguro realismo religioso, sem medo de se enganar.

Contudo, os chefes das diversas igrejas existentes, em vez de acatarem como uma realidade escatológica o espiritismo, combatem-no em nome do Diabo, sem perceber que estão a desperdiçar uma das melhores oportunidades para refutar com ele as consequências do materialismo.

Se é certo que o período actual da parapsicologia é o que corresponde à era biológica, segundo o critério de Joseph B. Rhine, a partir de agora devíamos considerar a necessidade de inaugurar a era ontológica da parapsicologia. O problema do Ser, tão estudado no presente, através do que a filosofia denomina Conhecimento do homem, exige do trabalho parapsicológico a demonstração de novas noções ontológicas, que possam tapar a brecha, segundo Rhine, observada na natureza. Essa brecha é, indubitavelmente, o mistério do homem, isto é, a dramática questão apresentada pela filosofia existencial com respeito ao sentido do Ser, relegado apenas à náusea, à angústia, ao nada e à morte.

Que é o homem? Que somos? De onde viemos? E para onde vamos?

Eis aqui as apaixonantes questões que merecem uma resposta categórica.

Francisco Romero, um dos maiores filósofos argentinos, referindo-se ao tema do homem e à posição da filosofia em face desses problemas, escreveu o seguinte:

“O que a presente situação carece exigir da filosofia é uma definição precisa e concreta do homem, uma especificação nítida da sua posição no conjunto e do sentido da sua vida, de acordo com os mais firmes resultados do pensamento e da experiência psicológica e histórica: em suma, uma noção do homem, mais minuciosa, exaustiva e terminante do que as proporcionadas até agora.” (iv)

Como vemos, a necessidade espiritual de um conhecimento definitivo do homem está no íntimo de todos. A filosofia, mais do que em nenhuma outra época, aspira a solucionar o problema do homem. O Ser continua a ser um problema metafísico e religioso, apesar de tudo o que foi dito até agora. A situação dramática em que se encontra a filosofia torna-se mais desesperadora à medida que as teorias, hipóteses e petições de princípio se vão acumulando. Não nos esqueçamos que são numerosos os sistemas e as ideologias filosóficas e religiosas que pretendem interpretar o homem. Não obstante, nenhuma dessas formulações se mostrou capaz de derrotar esta sinistra concepção materialista do mundo: a filosofia do nada. Por outras palavras, o fúnebre sentido desta definição do existencialismo niilista: o homem, é um ser para a morte eterna.

O filósofo alemão Fritz J. Von Rintelen, num belo trabalho, exprimiu-se assim: “Nenhum sentimento já evoca a Deus, mas tão-somente ao Nada.” (v)

Esta conclusiva afirmação reflecte o verdadeiro sentir dos tempos novos. Já não se trata de afirmar a realidade espiritual do homem e da existência, mas procura matar-se o homem, levá-lo ao suicídio, através de um existir fundado no nada. A impressão que se poderia ter é a de que um demónio negador se alojara na mente humana, procurando apenas destruir o Ser espiritual que a anima.

De acordo com o sector materialista da humanidade é mais racional e, até mais científico, dizer que o homem morre para sempre, do que supor que viverá eternamente, na vida do espírito. Parece que, para o homem moderno, seria preferível ser pó ou nada a ser espírito imortal. E, segundo outros argumentos, é mais moral e até mais natural morrer para sempre do que viver eternamente.

A disputa suscitada pelo existencialismo, entre essência e existência, seria facilmente resolvida se a filosofia e a religião levassem em conta as manifestações espirituais dos fenómenos metapsíquicos e parapsicológícos.

Jean-Paul Sartre, em O Ser e o Nada, esforça-se por fazer prevalecer o Nada sobre o Ser ou a essência espiritual do homem.

Vemos nas suas páginas que o nada foi convertido em valor filosófico, para sustentar a morte eterna e definitiva do indivíduo. Mas não devemos espantar-nos com essa valorização do nada, já que, segundo a bíblia, Deus fez o homem do nada. Consequentemente, esse instinto do nada existencial ressurge com o existencialismo ateu, em forma catastrófica, do inconsciente da espécie, levando de roldão o ético e toda a finalidade transcendente do homem e do Universo.

O Nada, para Deus, era um valor criador; por isso, diz a bíblia que o Criador fez o mundo surgir do nada. Daí se conclui que o Ser e o mundo, como afirma o existencialismo niilista, estão condenados ao nada, o que vale dizer que esse existencialismo, não obstante o seu rigoroso ateísmo, é uma filosofia vinculada a Deus e à bíblia.

metapsíquica e a parapsicologia descobriram, entretanto, que o nada não é verdadeiro; comprovaram que na vida social existe o que Richet chamou de inabitual e, que os fenómenos transcendentais desse campo revelam uma teleologia, tanto para o Ser como para a civilizaçãoA metapsíquica prova que o mundo objectivo pode descentralizar-se, para que a essência psíquica se manifeste na vida espiritual da humanidade. Além disso, estabeleceu que a existência não é atributo exclusivo do homem e do seu mundo, mas que o existir é próprio de outros seres e entidades inteligentes, situados no mundo invisível que nos circunda.

A decadência espiritual do homem e da cultura contemporânea reclamam a colocação de problemas metafísicos e sociais, com o objectivo de alcançar novas interpretações da existência mais edificantes para o destino do espírito encarnado. Chegou a hora de uma metapsíquica existencialresistir a isso é deter a marcha das verdades espirituais. Charles Richet, provando este facto singular e dramático da evolução, declarou: “Amanhã, talvez, a metapsíquica terá o direito de elevar-se mais alto, nos rumos de uma moral, uma sociologia e uma teodiceia novas.” (vi)

Com efeito, a lei dos três estados, de Auguste Comteo teológico, o metafísico e o positivo, permite-nos acrescentar agora um quarto estado: metapsíquicoDesta maneira poderíamos inaugurar uma nova forma de conhecer as três grandes manifestações da história: a sociedade, o Espírito e a divindade. Acreditamos que o melhor campo de investigação metafísica é o próprio homem, porque nele está presente esse quarto estado, que Comte não chegou a conhecer: o estado metapsíquicoMas esse campo, para ser efectivo, deverá entrosar-se com a interpretação espírita do homem e da vida, já que nesta se encontra o fundamento filosófico, teosófico e religioso da continuidade do Ser. (vii)

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(i) Leconte du Nouy, O Destino Humano.
(ii) Revue Metapsychique, R. P. Reginaldo Omez, 1950.
(iii) O facto básico de deixar estabelecida a realidade de psi envolve um princípio de grande significação, aplicável a este problema da sobrevivência espiritual. Pois se não houvesse nenhuma evidência de algo que transcenda as leis físicas, se não houvesse nada que desafiasse os limites da interpretação mecanicista do homem e do mundo vivente, não valeria a pena pensar ainda no problema da sobrevivência. (Revista de Parapsicologia, n° 2 - ano 1955).
(iv) Miradas Sobre el Hombre, La Nación - Buenos Aires, 1950. (Edição de 21 de março).
(v) Lá Mística de Ia Muerte y Ia Filosofia Contemporanea, Critério, Buenos Aires, n.° 1.117.
(vi) Tratado de Metapsíquica, Charles Richet, pág. 37, edição espanhola, 1925.
(vii) Na Revista Espírita, de abril de 1858, Kardec aceitou a sugestão de um correspondente de acrescer à lei dos três estados, de Comte, o estado psicológico da evolução humana, iniciado com o espiritismo. O autor renova essa proposição, como vemos, com outra denominação. Essa coincidência e o desenvolvimento actual das pesquisas psíquicas, mostram que Kardec e o correspondente da “Revista” estavam certos. O leitor pode verificar o facto no volume I da colecção da “Revista”, lançada pela Edicel. É o editorial do número de abril, intitulado: “Período Psicológico”. (Nota de J.H.Pires).

Humberto MariottiO Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo VII Rumo ao Estado Metapsíquico, 12º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali