Lembro-me que há alguns anos, tendo consagrado longo estudo à análise das
admiráveis provas de identificação pessoal fornecidas pela entidade Oscar Wilde, (i) o
célebre poeta e dramaturgo inglês, nas suas comunicações por intermédio da
médium Hester Dowden, terminei observando que, no caso em questão,
foram dadas todas as provas cumulativas que se estava razoavelmente no direito
de exigir nestas circunstâncias.
Enumerei, com efeito, a transmissão de numerosas provas
pessoais, ignoradas de todos os assistentes e das quais se constatou a
autenticidade; a prova memorável da identidade da escrita, seguida, de modo
impecável, no decorrer de várias centenas de páginas; a prova mais importante
ainda a da identidade do estilo, ou, para melhor dizer, dos dois estilos que
caracterizavam a personalidade literária do defunto; enfim, a mais concludente
ainda, da emergência da personalidade intelectual e moral de Oscar Wilde com
todas as variedades do seu carácter: personalidade complexa, original,
inimitável.
Depois do que acrescentei:
“Noto, finalmente, que Oscar Wilde prometeu,
por fim, acrescentar às provas fornecidas até aqui uma nova demonstração: a de
uma comédia póstuma com o auxílio de sua médium.”
Ele manteve a palavra dada. A comédia foi ditada à médium
logo depois da publicação do seu livro: Psychic messages from Oscar Wilde. Hester
Dowden (Travers-Smith) dá, a esse respeito, as seguintes informações:
“Eu nunca fui admiradora das obras de Oscar Wilde,
nem a sua personalidade nunca me suscitou interesse. Creio concluir
racionalmente então que a minha mão tem escrito algo que não provêm de mim.
Oscar Wilde vivera numa época que não a minha e, a partir das suas obras
literárias exala algo diferente dos dias de hoje. Eu não posso remontar ao
passado, ao período de 1880, como ele fizera e, ele não se pode emancipar dos
gostos literários e dos costumes do seu tempo, que eu não vou lembrar-me em
tudo. Ora, é nesta condição mental que consiste o traço característico mais
saliente de todas as suas mensagens mediúnicas e da sua comédia. Quando me
ditava, pediu-me que o informasse sobre os gostos literários e costumes da
nossa época e eu lhe expliquei as mudanças radicais que tinham ocorrido, mas
ele não as levou em conta e veio a emancipar-se do ambiente em que vivia.
Pessoalmente, considero que a prova mais convincente que se
pode imaginar em favor da sobrevivência da alma é a que se refere à
personalidade intelectual e moral dos defuntos que se comunicam. As
indicações relativas à existência terrestre, sobretudo se desconhecidas de
todos os assistentes, são importantes e convincentes, mas quase sempre
susceptíveis de serem explicadas pela hipótese das reminiscências latentes nas
subconsciências dos assistentes (criptomnesia). Nenhuma
intenção tenho de contestar a importância desses informes, que constituem a
base sobre a qual repousam as pesquisas experimentais concernentes à questão da
sobrevivência; sem elas não se poderia considerar como a identificação do
defunto tenha sido provada. Entretanto, cada vez que as informações
desse género constituem as únicas provas de que dispomos, não podemos
considerar-nos autorizados a afirmar que a personalidade do defunto comunicante
estava realmente presente ou que o espírito sobrevive à morte do corpo. É
a mentalidade do morto que é preciso salientar nas manifestações mediúnicas; é
a sua personalidade intelectual e moral, com todos os matizes do seu
temperamento e a maneira de compor as frases que o caracterizavam. Eis o
que devemos examinar experimentalmente, se queremos chegar a dissipar qualquer
dúvida relativamente ao problema do além. Penso que, no domínio das pesquisas
psíquicas, não se compreendeu ainda toda a importância decisiva que reveste
a personalidade psíquica da entidade que se comunica e que
deveria ser o elemento essencial nas provas de identificação espírita.
Quando as mensagens de Oscar Wilde se
sucediam diariamente, eu lhe perguntava se não podia ditar-me alguma obra
literária, a título de prova ulterior de sua presença. Dirigindo-lhe este
pedido, não pensava absolutamente numa produção de teatro mas, antes, nos seus
ensaios literários, onde, a meu ver, se encontra o que de melhor o seu
talento produziu. Foi o próprio Oscar Wilde que me declarou que ia escrever uma
comédia e que se sentia em condições de o fazer. Quanto a mim, fiquei antes
céptica a esse respeito: tinha notado, com efeito, que, na mediunidade psicográfica,
as sessões curtas são as únicas que dão bons resultados e considerava então
como irrealizável o seu projecto de me ditar uma comédia inteira.
As primeiras tentativas pareceram, de facto, justificar o
meu cepticismo: Oscar Wilde era um comunicante indeciso, difícil,
autoritário, por vezes de um humor muito desagradável. Durante as primeiras
cinco ou seis sessões, ele discutiu comigo a respeito das condições mediúnicas; informou-me que já tinha concebido o cenário de
uma comédia inteira, que eu nada tinha a preocupar-me; que se sentia em
condições de dispor as cenas, de escolher os nomes dos seus personagens, de
desenvolver os diferentes caracteres utilizando eficazmente a técnica do drama.
Fiz-lhe notar que as antigas modalidades tradicionais dos cenários tinham
sofrido, nos nossos dias, grandes mudanças, como, por exemplo, os “à parte”
tinham sido abolidos. Ele respondia, da mesma maneira, a todas as minhas
observações, isto é, advertindo-me que eu não era autora dramática e que como
ele já tinha na sua cabeça todo o entrecho do drama, não poderia desistir...
Com efeito, desde o começo, era manifesto que Oscar Wilde tinha
organizado, no seu espírito, todo o enredo da comédia, ainda que não chegasse a
desenvolver o seu diálogo do modo que desejava. Devo reconhecer, sinceramente,
que a falta era minha, pois estava nessa época sobrecarregada de trabalhos
urgentes que me absorviam a actividade.
Durante os meses de junho e julho de 1923, o primeiro ditado
do drama foi executado; ele tão-só constituía, entretanto, uma espécie de
rascunho que veio a ser posto em causa mais tarde pelo próprio. Não quero com
isso dizer que ele tenha depois refeito a ordem das cenas, pois esta ficou tal
qual era, mas os caracteres dos personagens foram, ao contrário, sensivelmente
reformados.
Depois, no mês de agosto, pude consagrar, regularmente, três
ou quatro sessões por semana a Oscar Wilde:
isso se dava habitualmente das 11 às 13 horas.
O sistema de trabalho que Wilde tinha
adoptado consistia num retorno contínuo para trás. Quando ele tinha ditado um
acto de sua comédia, a minha auxiliar, srta.
Cummins, devia relê-lo em alta voz e, Oscar Wilde a interrompia a todo o
instante, sugerindo correcções que sempre constituíam uma melhoria sensível
sobre o que ditara anteriormente. A sua diligência era extraordinária, ela
excedia muito a minha força de trabalho. Ele refazia, aperfeiçoava, intercalava
um período com cuidados tão meticulosos que se tornava penoso continuar, tal o
sentimento pesado de monotonia que, transformando-se em sonolência, me causava.
Tinha resolvido nunca reler o que tinha sido transmitido
mediunicamente, a fim de evitar que a minha mente subconsciente pudesse exercer
certa influência sobre o ditado em curso; pensava então que não havia nessa
comédia nenhuma ideia coerente e me sentiria desencorajada se a srta.
Cummins não estivesse aí para garantir-me, de tempos a tempos, que o
tema se desenvolvia, diariamente, de maneira precisa e interessante.
A obra dramática foi intitulada pelo seu autor: Uma
comédia extraordinária. Se ela devesse ser representada, duvido que os
directores de teatro consentissem em conservar tal título, mas creio que Oscar Wilde não
veria com bons olhos a modificação.
Oscar Wilde explicou que se propusera delinear na sua
comédia a continuidade inalterada da existência humana – nos seus alvos e nas
suas aspirações – assim também antes como depois da crise da morte e, que, por
consequência, o último acto ia desenrolar-se no mundo espiritual. Quando ele
exprimiu esta proposta, voltou-me o desânimo, sabendo eu bem que nada é
tão árduo em literatura como inserir cenas do além numa comédia. Quando se quer
aí introduzir este elemento, vai-se, inevitavelmente, ao encontro do insucesso. Tais
eram as minhas preocupações quando Oscar Wilde anunciou que o último acto de
sua comédia se devia desenrolar nas esferas espirituais...
Quando o drama foi terminado, li-o para uma das minhas
amigas, que possui grande experiência de teatro. Logo que cheguei ao meio do
segundo acto, ela me interrompeu, notando: “Tudo isso é tão mundano que o autor
jamais chegará a passar a ponte que separa o visível do invisível. Eis uma
tarefa impossível!”
Terminada, porém, a leitura, a minha amiga teve exclamações
de surpresa e admiração pela genialidade com a qual o autor tinha sabido vencer
o obstáculo. Nenhuma solução de continuidade no desenvolvimento do
drama, embora os dois primeiros actos sejam de um género ligeiro,
análogo à comédia do mesmo autor: A importância de ser sério.
O drama termina com uma nota consoladora: o amor pode, ou
não, existir no além tal como o conhecemos aqui. Nas esferas espirituais, o
amor-paixão não deixa de existir, o amor se manifesta na pesquisa da “alma
gémea”, complemento de nós mesmos. Nós nos completamos: tal é a aspiração
suprema de todo o espírito; quando o fim é atingido, os espíritos casados vêem
nítida e luminosamente o caminho ascensional que lhes resta a percorrer, unidos
um ao outro.” (Light, 1925, pág. 524).
Tal é a interessante e instrutiva descrição feita pela
sra. Hester
Dowden a respeito da maneira pela qual foi ditada a comédia de Oscar Wilde.
Para completá-la, vou reproduzir uma alínea de um artigo que foi consagrado ao
memorável acontecimento pelo Sr. David Gow, director da revista Light.
Escreve ele:
“Notarei de passagem que assisti, pessoalmente, ao ditado
mediúnico do drama de Oscar Wilde durante o qual o autor morto ocupou a
médium e a sua secretária por várias semanas consecutivas, corrigindo,
refazendo, suprimindo, dando tantas disposições e ordens que tornava muito
penosa a existência das duas damas. Tudo se desenrolou como se o autor
invisível, mas absolutamente real, se metesse febrilmente ao trabalho,
desenvolvendo alternativamente um temperamento irritável, choramingador,
brilhante cínico e, algumas vezes dócil e simpático. A comédia, que veio assim
à luz, parece uma obra de arte extraordinária, mas é preciso notar a esse
respeito que um director de teatro a quem ela foi oferecida para ser
representada, depois de a ter lido, relido e pesado, declarou que ele
renunciava a pô-la em cena, não porque não fosse obra de Oscar Wilde, mas porque
era dele mesmo! Ele queria, com estas palavras, fazer alusão ao assunto e à
técnica do desenvolvimento das comédias de Oscar Wilde, que julgava, para o
futuro, fora de moda.” (Light, 1828, pág. 18).
Essa declaração de um director de teatro é verdadeiramente
preciosa e muito significativa.
Resumindo o que se acaba de ler e concluindo, noto que, sob
o ponto de vista teórico, todas as circunstâncias que acabo de transmitir
tomam, cumulativamente, valor enorme em favor da interpretação espírita do
caso de que nos ocupamos. Os que leram a comédia póstuma de Oscar Wilde são
acordes em afirmar que ela constitui uma obra de arte magistralmente orientada
e que é uma reprodução maravilhosa do estilo, da forma, da técnica teatral que
caracterizavam, no seu conjunto, um só autor: Oscar Wilde, quando vivo. E se
isso não bastar para identificar uma personalidade literária, é preciso ajuntar
aí o incidente tão eloquente de um director de teatro ter declarado que a
comédia em questão não poderia ser representada com sucesso pelo facto do seu
assunto e seu desenvolvimento terem envelhecido meio século. Não se poderia
imaginar confirmação mais eficaz em favor da identidade pessoal da entidade
comunicante, pois que a reputação de Oscar Wilde atingira o seu apogeu há meio
século e os dramas escritos por ele, quando vivo, apresentam todos os mesmos
defeitos assinalados pelo director do teatro, ao mesmo tempo que todas as
grandes qualidades literárias e as idiossincrasias psíquicas muito especiais de
que acabamos de nos ocupar.
Agora, voltando ao que antes fiz notar, lembro que Oscar Wilde tinha,
antecipadamente, dado todas as provas de identificação pessoal que se pode
razoavelmente exigir de um morto que se comunique. Recordo haver feito notar
que a única prova que ele poderia fornecer ainda seria a de demonstrar aos
vivos que a sua intelectualidade, o seu temperamento de autor, a sua
virtuosidade incomparável de cinzelador de frases e de artista apaixonado das
palavras permaneceram intactas depois da morte do corpo. Ora, ele deu também
esta prova última, que reveste valor probante superior a qualquer outro, embora
não se possa passar pelos outros para atingir a demonstração experimental,
sobre a base dos factos, da sobrevivência de uma individualidade pensante.
Noto, enfim, que o valor teórico desta última “prova
literária” é a tal ponto eficaz que triunfa mesmo sobre uma objecção
apoiada numa hipótese metafísica fundada em memórias de amplidão infinita. Faço
alusão à velha hipótese, agora novamente em moda, formulada com um fim
puramente especulativo, pelo professor William
James, segundo a qual não se poderia teoricamente excluir a possibilidade
da existência, no universo, de um “reservatório cósmico de memórias
individuais”, do qual os médiuns extrairiam as indicações verídicas
relativamente às personificações de defuntos desconhecidos de todos. Não
é agora o momento de discutir essa hipótese, que tenho longamente analisado e
refutado, mantendo-me no terreno dos factos, numa monografia
especial; noto somente aqui que, mesmo concedendo-se à hipótese em
questão a extensão incomensurável que lhe conferem os seus defensores, ela não
chegaria mesmo a fornecer provas de identificação espírita análogas
às que venho a relatar, pois que não se referem ao que se deveria encontrar num
“reservatório cósmico de memórias individuais”. É claro, com efeito, que,
no nosso caso, não se trata de lembranças de espécie alguma, mas de um
trespassado que se manifesta ditando uma obra literária, isto é, executando uma
acção que se desenrola no presente e, que não se poderia então encontrar em
parte alguma, em estado de vibração latente.
Repito, então, que a circunstância de ter chegado a triunfar
também da hipótese metafísica do “reservatório cósmico de memórias individuais”
constitui uma circunstância teoricamente muito importante. De facto, ela
equivale a afirmar que nenhuma hipótese não-espiritualista chegará
jamais a explicar, no seu conjunto, o memorável caso de identificação espírita do
qual o falecido escritor Oscar Wilde foi protagonista.
Inútil é acrescentar que isto serve para fazer ressaltar o
valor teórico muito especial que podem revestir os casos em geral de
comunicações psicográficas na base de “ensaios literários”, ditados por
entidades espirituais que afirmam ser autores conhecidos, isto é, “ensaios
literários” susceptíveis de serem submetidos aos processos de análise
comparada.
/...
(i) Bozzano refere-se ao artigo Le retour d’Oscar Wilde,
incluído na obra Cinco Excepcionais Casos de Identificação de Espíritos
(Publicações Lachâtre), sob o título “Surpreendente Caso de Identificação
Espírita”. (N.E.)
(imagem de contextualização: Les Fleurs du Lac
| 1900, tempera no painel de Edgard Maxence)
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