A contemplação da Natureza oferece ao homem
culto, sem lugar a contestação, inefáveis encantos particulares. Na organização
dos seres descobre-se o incessante movimento dos átomos que os compõem, tanto
quanto a permuta constante e operante entre todas as coisas.
Justa é a nossa admiração por tudo o que vive
na superfície da Terra. O mesmo calor solar, que mantém no estado líquido a
água dos rios e dos mares, conduz a seiva à fronde das árvores e faz pulsar o
coração dos abutres e das pombas. A luz que espalha a viço nos prados e nutre
as plantas com um sopro impalpável também povoa a atmosfera de maravilhosas
belezas aéreas. O som que estremece a folhagem canta na orla dos bosques, ruge
nas plagas marinhas. Em tudo vemos, enfim, uma correlação de forças
físicas, que abrange num mesmo sistema a totalidade da vida sob a comunhão das
mesmas leis. Ora, quanto mais fervente for a nossa admiração pelo
esplendor da vida planetária, mais extensiva e aplicável se tornará, em relação
aos mundos que aí fulguram acima de nossas cabeças, no cenáculo das noites
silenciosas. Esses mundos longínquos que, qual o nosso, se
embalam no mesmo éter, sob o império das mesmas energias e das mesmas leis,
são igualmente sedes de actividade e vida. Poderíamos apresentar este
grandioso e magnífico espectáculo da vida universal como eloquente testemunho
da inteligência, sabedoria e omnipotência da causa anónima, que houve por bem
reverberar, dos primórdios da Criação, o seu mágico esplendor no espelho da
Natureza criada. Mas, não é sob este prisma que desejamos aqui desdobrar o
panorama das grandezas celestes. Apenas, para o teatro das leis que
regem o nosso mundo, queremos convocar os negadores da inteligência criadora.
Se, abrindo os olhos diante desse espectáculo,
eles persistirem na sua negativa, já não teremos como nos eximir de responder-lhes, em consciência, que também duvidaremos das suas
faculdades mentais. Porque, para falar com franqueza, a
inteligência do Criador nos parece infinitamente mais curta e incontestável que
a dos ateus franceses e estrangeiros.
E, como o método positivo consiste em não
julgar antes de observar os factos, ocorre-nos o dever de examinar
primeiro os factos astronómicos de que falamos e depois da interpretação com
que se satisfazem os nossos antagonistas. Se, depois disso, essa
sua interpretação satisfizer, subscreveremos de antemão as suas doutrinas; mas,
se, ao contrário, se revelar insensata, temos, como dever de honra e por amor à
verdade, de a desmascarar e entregar ao apupo da plateia.
Esqueçamos por momentos o átomo terrestre, no
qual o destino nos fixou por alguns dias. Que o nosso espírito se lance
ao espaço e veja rolar diante de si o mecanismo gigantesco – mundos e mundos,
sistemas depois de sistemas, na infinita sucessão de universos estrelados. Ouçamos,
com Pitágoras,
as harmonias siderais nas amplas e céleres revoluções das esferas e
contemplemos, na sua realidade, esses movimentos simultaneamente vertiginosos e
regulares que enfeudam as terras celestes nas suas órbitas ideais. Observamos
que a Lei suprema, universal, dirige esses mundos. Em torno do
nosso sol, centro, foco luminoso, eléctrico, calorífico do sistema planetário,
giram os planetas obedientes. Os mais extraordinários labores do espírito
humano deram-nos a fórmula da lei, que se divide em três pontos fundamentais,
conhecidos em Astronomia por leis de Kepler,
laborioso sábio que a descobriu graças ao seu génio, como à sua paciência e,
que discutiu opiniaticamente, 17 anos, as observações do seu mestre Tycho Brahe, antes
que distinguisse sob o véu da matéria a força que a rege.
Esses três pontos são:
1º – Cada planeta descreve em torno do Sol uma órbita
elíptica, na qual o centro do Sol ocupa sempre um dos focos.
2º – As áreas (ou superfícies) descritas pelo raio
vector (1) de um planeta em redor do foco solar são
proporcionais aos tempos que levam a descrevê-las.
3º – Os quadrados dos tempos de revolução planetária,
em torno do Sol, são proporcionais aos cubos dos grandes eixos
orbitários.
A síntese dessas leis integra o grande axioma
que Newton foi
o primeiro a formular na sua obra imortal sobre os Princípios.
Nesse livro, ensina-nos ele – como bem
adverte Herschel – que todos os movimentos celestes são
consequências da lei, isto é: – que duas moléculas materiais se atraem
na razão directa do volume de suas massas e na inversa do quadrado das
distâncias. Partindo deste princípio, ele explica como a
atracção exercida entre as grandes massas esféricas, componentes do nosso
sistema, é regulada por uma lei cuja expressão é exactamente idêntica, como
os movimentos elípticos dos planetas à volta do Sol e dos satélites à volta dos
planetas, tal como os determinou Képler, se deduzem consequentes
necessários da mesma lei e, como as próprias órbitas dos cometas não
são mais que casos particulares dos movimentos planetários. Passando
em seguida às aplicações difíceis, faz-nos ver como as desigualdades
tão complicadas do movimento lunar se prendem à acção
perturbadora do Sol, assim como se originam as marés da
desigualdade de atracção que esses dois astros exercem sobre a Terra e o oceano que
a rodeia. E demonstra-nos, enfim, como também a precessão dos
equinócios não passa de consequência necessária da mesma lei.
Pois é à execução dessas leis que está confiada
a harmonia do sistema planetário; é a elas que os mundos devem os seus
anos, as suas estações, os seus dias; é nelas que haurem a luz e o
calor distribuídos em diversos graus pela fonte cintilante; é delas que derivam
a eclosão da vida, a forma e ornamento dos corpos celestes. Sob a
acção incoercível dessas forças colossais, os mundos se transportam no espaço
com a rapidez do relâmpago e percorrem centenas de mil léguas por dia, sem
parar, seguindo estritamente a rota certa e previamente traçada por
essas mesmas forças.
Se nos fora dado libertar por um
momento das aparências, sob cujo império nos acreditamos em repouso no centro
do Universo e, se pudéramos abranger num olhar de conjunto os movimentos que
animam todas as esferas, haveríamos de ficar surpreendidos com a imponência
desses movimentos. Aos nossos olhos maravilhados, enormíssimos
globos turbilhonariam rápidos sobre si mesmos, projectados no vácuo a toda a
velocidade, quais gigantescas balas que uma força de projecção
inimaginável houvesse enviado ao infinito. Admiramo-nos desses
comboios ferroviários que devoram distâncias como dragões flamantes e, no
entanto, os globos celestes mais volumosos que a nossa Terra deslocam-se com
uma rapidez que ultrapassa a das locomotivas tanto quanto a destas ultrapassa a
das tartarugas. A terra que habitamos, por exemplo, percorre o espaço com a
velocidade de seiscentos e cinquenta mil léguas por dia. Rodeando esses
mundos, veríamos satélites em circulação e a distâncias diferentes, mas
adstritos e submissos às mesmas leis. E todas essas repúblicas
flutuantes inclinam os pólos alternativamente para o calor e para a
luz, a gravitarem sobre o próprio eixo, apresentando, cada manhã, os
diferentes pontos de sua superfície ao beijo do astro-rei. Tiram,
assim, da combinação própria dos seus movimentos, a renovação da beleza e da
juventude; renovam a fecundidade no ciclo das primaveras, dos estios, dos
outonos e dos invernos; coroam de grinaldas as montanhas onde o vento suspira;
reflectem no espelho dos lagos a magia de suas paisagens; envolvem-se, às
vezes, na lanugem atmosférica, fazendo dela um manto protector, ou
transformando-a em cadinho retumbante de raios e granizos; desdobram por
superfícies imensas a força das ondas oceânicas, que, também por si, se alteiam
sob a atracção dos astros, qual seio ofegante; iluminam crepúsculos com os
matizes policrómicos dos ocasos comburentes e fremem nos seus pólos às
palpitações eléctricas despedidas dos leques de auroras boreais; geram,
embalam e nutrem a multidão de seres que as povoam; e renovam o filão da vida
desde as plantas fósseis, do passado, até ao homem que pensa e sonda o
futuro. Todos esses mundos, todas essas moradas do espaço,
departamentos da vida, nos apareceriam quais naves bussoladas,
conduzindo através do oceano celeste tripulantes que não têm a temer escolhos
nem imperícias de comando, nem falta de combustível, nem fome, nem
tempestades.
/…
(1) Assim
se denomina a linha ideal que liga um planeta ao Sol.
Camille Flammarion (i), Deus na Natureza –
Primeira Parte, A Força e a Matéria II – O Céu (1 de 3), 11º fragmento desta
obra.
(imagem de contextualização: Jungle Tales_1895,
pintura de James Jebusa Shannon)
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