O tempo, o espaço, a matéria primordial ~ O estado
molecular ~
Uma das maiores dificuldades com que nos defrontamos quando
queremos estudar a Natureza é a de no-la representarmos tal qual ela é. Quando
se vêem massas de mármore de granulação fina e cerrada, enormes barras de ferro
suportando pesos gigantescos, torna-se difícil admitir que esses corpos são
formados de partículas excessivamente pequenas, que não se tocam,
chamadas átomos nos corpos simples e moléculas nos
corpos compostos. A extrema tenuidade desses átomos escapa à imaginação. O pó
mais impalpável é grosseiro, a par da divisibilidade a que pode chegar.
Disso dá Tyndall um exemplo
frisante. Dissolvendo-se um grama de resina pura em 87 gramas de álcool
absoluto, deitando-se a solução num frasco de água cristalina e agitando-se
fortemente o frasco, ver-se-á o líquido tomar uma coloração azul, devido às
moléculas da resina em dissolução. Pois bem, Huxley, examinando
essa mistura com o seu mais poderoso microscópio, não conseguiu ver partículas
distintas: é que elas tinham, de tamanho, menos de um quarto do milésimo de
milímetro!
Também o mundo vivente é formado de moléculas orgânicas, em
que os átomos entram como partes constituintes. Segundo Angelo Secchi, em certas
diátomas circulares, de diâmetro igual ao comprimento de uma onda luminosa
(dois milésimos de milímetro), se podem contar, sobre esse diâmetro, mais de
cem células, cada uma das quais composta de moléculas de diferentes
substâncias!
Outros vegetais e infusórios microscópicos são menores, em
tamanho, do que uma onda luminosa e, no entanto, possuem todos os órgãos
necessários à nutrição e às funções vitais. Em suma, é quase indefinida a
divisibilidade da matéria, pois, se considerarmos que um miligrama de anilina
pode colorir uma quantidade de álcool cem milhões de vezes maior,
forçoso será desistir de fazer qualquer ideia das partes extremas da matéria.
E esses infinitamente pequenos se encontram separados uns dos
outros por distâncias maiores do que os seus diâmetros; estão incessantemente
animados de movimentos diversos e a mais compacta massa, o metal mais duro
corresponde apenas a agregados de partículas semelhantes, porém
afastadas umas das outras, em vibrações ou girações perpétuas e sem contacto
material entre si. A compressibilidade, isto é, a faculdade que possuem
todos os corpos de serem comprimidos, ou, por outra, de ocuparem um volume
menor, põem essa verdade fora de toda a dúvida.
A difusão, isto é, o poder que têm duas substâncias de se
penetrarem mutuamente, também mostra que a matéria não é contínua.
Examinando-se uma pedra jacente na estrada, julga-se que
está em repouso, pois não é vista a deslocar-se. Quem, no entanto, lhe pudesse
penetrar na intimidade da substância, logo se convenceria de que todas
as suas moléculas se encontram em incessante movimento. No estado ordinário, esse
formigamento é de todo imperceptível. Entretanto, poderemos aperceber-nos
dele, se bem que de modo grosseiro, se notarmos que os corpos aumentam ou
diminuem de volume, isto é, que dilatam ou se contraem – sem que as suas massas
sofram qualquer alteração – conforme a temperatura neles se eleva ou decresce.
Essas mudanças deixam ver que é variável o espaço que separa as moléculas e
guarda relação com a quantidade de calor que os corpos contêm no momento em que
são observados.
Desse conhecimento resulta que no interior dos corpos,
brutos e na aparência imóveis, se executa um trabalho misterioso, uma
infinidade de vibrações infinitamente pequenas, um equilíbrio que de
contínuo se destrói e restabelece, e cujas leis, variáveis para cada
substância, dão a cada uma a sua individualidade. Do mesmo modo que os homens
se distinguem uns dos outros segundo a maneira com que suportam o jugo das
paixões ou lutam contra elas, também as substâncias minerais se distinguem umas
das outras pela maneira com que suportam os choques e contra eles reagem.
Ter-se-ão estudado esses movimentos internos? Ainda não se
puderam observar directamente os deslocamentos moleculares, (I) senão na sua totalidade, pois que os
mais poderosos microscópios não nos permitem ver uma molécula; mas, os
fenómenos que se produzem nas reacções químicas e a aplicação que se lhes fez
da teoria da transformação do calor em trabalho, e reciprocamente, possibilitaram
comprovar-se que estas últimas divisões da matéria se encontram submetidas às
mesmas leis que presidem às evoluções dos sóis no espaço. Também ao mundo
atómico são aplicadas as regras fixas da mecânica celeste, o que mostra,
inegavelmente, a admirável unidade que rege o universo. (II)
Graças aos progressos das ciências físicas, admite-se hoje
que todos os corpos têm as suas moléculas animadas de duplo movimento: de
translação ou oscilação em torno de uma posição mediana e de libração (balanço)
ou de rotação em torno de um ou muitos eixos. Esses movimentos se efectuam
sob a influência da lei de atracção. Nos corpos sólidos, as moléculas se
encontram dispostas segundo um sistema de equilíbrio ou de
orientação estável; nos líquidos, encontram-se em equilíbrio instável;
nos gases, estão em movimento de rotação e em perpétuo conflito umas
com as outras. (III)
Todos os corpos da Natureza, assim inorgânica, como
vivente, se encontram submetidos a essas leis. Seja a asa de uma borboleta, a
pétala de uma rosa, a face de uma donzela, o ar impalpável, o mar imenso ou o
solo que pisamos, tudo vibra, gira, se balança ou se move. Mesmo um
cadáver, embora a vida o haja abandonado, constitui um amontoado de matéria,
cada uma de cujas moléculas possui energias que não lhe podem ser subtraídas. O Repouso é uma palavra que carece de sentido.
/…
(I) L’Âme est Immortelle (A Alma é Imortal). Paris: Ed. J.
Meyer (B.P.S.), 1897.
(II) Berthelot, Ensaio de
mecânica química, t. II, pág. 757.
(III) Moutier, Termodinâmica.
Gabriel Delanne, A Alma é Imortal, Terceira parte – O Espiritismo e
a ciência Capítulo II O tempo, o espaço, a matéria primordial, O
estado molecular – Justificação desta teoria, 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Pitágoras, pormenor
d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio (1509)