Deus | e o Universo (III)
Um mal-entendido secular divide as escolas filosóficas
quanto a estas questões. O materialismo via no Universo somente a
substância e a força. Parecia ignorar os estados quintessenciados, as
transformações infinitas da matéria. O espiritualismo vê em Deus só o princípio
espiritual e não considera imaterial tudo o que não cai sob os nossos sentidos.
Ambos se enganam. O mal-entendido que os separa cessará quando os materialistas
virem no seu princípio e os espiritualistas no seu Deus a fonte dos três
elementos: substância, força, inteligência, cuja união constitui a vida
universal.
Por isso, basta compreender duas coisas: se se admite que a
substância esteja fora de Deus, Deus não é infinito, e, pois que a consciência
existe no mundo actual, é preciso evidentemente que ela se encontre naquilo que
tem sido o Princípio do mundo.
Mas a Ciência, depois de se haver retardado durante meio
século nos desertos do materialismo e do positivismo, depois de ter reconhecido
a esterilidade deles, a ciência actual modificou a sua orientação. Em todos os
domínios: física, química, biologia, psicologia, ela se encaminha hoje, a passo
decidido, para essa grande unidade que se entrevê no fundo de tudo. Por toda a
parte ela reconhece a unidade de forças, a unidade de leis. Atrás de toda a
substância em movimento encontra-se a força, e a força não é senão a
projecção do pensamento, da vontade na substância. A eterna criação, a
eterna renovação dos seres e das coisas é tão-somente a projecção constante do
pensamento divino no Universo.
Pouco a pouco, o véu se levanta; o homem começa a entrever a
evolução grandiosa da vida na superfície dos mundos. Ele vê a correlação das
forças e a adaptação das formas e dos órgãos em todos os meios;
sabe que a vida se desenvolve, se transforma e se apura à medida que percorre a
sua espiral imensa; compreende que tudo está regulado visando a um fim, que é o
aperfeiçoamento contínuo do ser e o crescimento nele da soma do bem e do belo.
Mesmo neste mundo, ele pode seguir essa lei majestosa do progresso,
através de todo o lento trabalho da Natureza, desde as formas ínfimas do ser,
desde a célula verde flutuando no seio das águas, até ao homem consciente no
qual a unidade da vida se afirma, e acima dele, de grau em grau, até ao
infinito. E essa ascensão só se compreende, só se explica pela existência de um
princípio universal, de uma energia incessante, eterna, que penetra toda a
Natureza; é ela quem regula e estimula essa evolução colossal dos seres
e dos mundos para o melhor, para o bem.
Deus, tal qual o concebemos, não é, pois, o Deus do
panteísmo oriental, que se confunde com o Universo, nem o Deus antropomorfo,
monarca do céu, exterior ao mundo, de que nos falam as religiões do Ocidente. Deus é
manifestado pelo Universo – do qual é a representação sensível –,
mas não se confunde com este. De igual maneira que em nós a unidade
consciente, a Alma, o eu, persiste no meio das
modificações incessantes da matéria corporal, assim, no meio das transformações
do Universo e da incessante renovação de suas partes, subsiste o Ser que é a
Alma, a consciência, o eu que o anima e lhe comunica o
movimento e a vida.
E esse grande Ser, absoluto, eterno, que conhece as nossas
necessidades, ouve o nosso apelo, nossas preces, que é sensível às nossas dores,
é qual o imenso foco em que todos os seres, pela comunhão do pensamento
e do sentimento, vêm haurir forças, o socorro, as inspirações necessárias
para guiá-los na senda do destino, sustê-los nas suas lutas, consolá-los nas
suas misérias, levantá-los nos seus desfalecimentos e nas suas quedas.
/…
Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte Deus
e o Universo, I O grande Enigma 3 de 5, 6º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: La Madonna de Port
Lligat, detalhe | 1950, Salvador Dali)
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