Desenvolvimento da Ciência Espírita ~
Os espíritas continuam, num clima de maiores esperanças
mundiais nesse terreno, com o avanço espantoso das pesquisas
parapsicológicas nos Estados Unidos e na URSS, a socorrer no Brasil as
vítimas de perturbações mentais e psíquicas, em seus centros de trabalho
permanente e gratuito.
A eficácia dos seus métodos simples, desprovidos dos
recursos tecnológicos da actualidade, são evidentes, mas não constam de
comprovações estatísticas. Não há recursos nem tempo para o luxo das avaliações
estatísticas. Mas a verdade salta aos olhos, brilha nos lares beneficiados
por dedicações anónimas. Já é tempo de acordarmos para a constatação desse
facto.
O Brasil avançou culturalmente entre os anos 30 e 60, com a
descentralização do ensino superior e a criação de Faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras por toda a sua extensão. Nem mesmo o interregno das agitações
políticas e militares conseguiu perturbar esse desenvolvimento.
Demos a prova decisiva da nossa preferência pela
paz, a ordem e o progresso.
Mas o meio espírita, adverso às agitações e inquietações
políticas, deixou-se embalar pelas canções de adormecer das mensagens mediúnicas piedosas,
dos relatos curiosos da vida após a morte, nas pregações mediúnicas incessantes
sobre a caridade, a humildade, o amor ao próximo, a moral evangélica, a
preparação de todos para a migração a mundos superiores e assim por diante.
Desenvolveu-se um curioso processo de alienação religiosa
que nem mesmo nas sacristias se processava. Surgiram, além das fascinações do
tipo roustainguista (intencionalmente retrógradas) correntes
pseudo-espíritas de mentalismo e esoterismo pretensiosos,
agrupamentos de fiéis acarneirados em torno de pseudomestres dotados de
sabedoria infusa e arrogante, como a dos teólogos das igrejas, resquícios
assustadores de pretensões divinistas e divinatórias, correntes
alienantes de um formalismo beócio, pregando o aperfeiçoamento formal das
atitudes e do comportamento humanos, com processos de impostação da voz e
de gesticulações pré-fabricadas, e até mesmo (Deus nos acuda)
tentativas de criação do celibato espírita e a imposição da abstinência sexual
aos casados.
Toda essa floração de cogumelos venenosos, vinda
evidentemente das raízes da Patrística, redundava
na volta ao farisaísmo e às suas consequências no meio patrístico da era
pós-apostólica, que tanto enfurecia o Apóstolo Paulo. Pouco
faltava para que a proposta de Tertuliano, de recorrer-se à
figura jurídica do usucapião, fosse aplicada ao Evangelho. Formava-se
e ainda se tenta formar, no meio espírita, uma estrutura totalitária de poder e
arbítrio, com uma disciplina legal asfixiando a liberdade espírita. Ao
mesmo tempo, a terapia espírita, nascida humildemente da prece e da imposição
das mãos aos doentes, segundo o ensino e o exemplo de Jesus, era transformada em ritos
complicados e pretensiosos, aplicados por médiuns diplomados pelas Federações.
Até mesmo as práticas do confessionário foram estabelecidas em várias
instituições, a partir do manda-chuva, que agia com rigorosa disciplina
paramilitar. O escândalo da adulteração das obras fundamentais da
doutrina, declaradamente inspiradas pelo sucesso das adulterações da Bíblia
pelas igrejas cristãs, produziu felizmente o estouro do tumor.
Alguém tivera a coragem de usar o bisturi na hora precisa, mostrando a
profundidade do processo infeccioso, definindo e localizando os focos da
infecção na corroída e orgulhosa estrutura do movimento espírita.
Restabelecia-se a verdade e reanimava-se o corpo doente e
minado pelas trevas. As áreas não contaminadas pela infecção reagiam de todos
os lados e os vencidos pela fascinação começavam a sentir os primeiros abalos
da consciência. Encerrava-se o ciclo perigoso das infiltrações malignas e os
que não haviam cedido ao autoritarismo dos falsos mestres e mentores experimentavam
a alegria da volta ao bom-senso kardeciano.
A terapia espírita começava lentamente a recuperar-se na
sua simplicidade e pureza. O prestígio do passe espírita, desprovido
de encenações espúrias e pretensiosas, restabelecia-se nos grupos não
contaminados. Jesus aplacara
o temporal como num gesto de piedade. O farisaísmo tem as suas raízes
nas entranhas animais do homem, de onde brotam os instintos primitivos, perturbando
a mente e envenenando o coração. Os cristãos primitivos foram levados à
loucura de se julgarem puros e santos, como vemos nas epístolas ardentes de
Paulo, reprimindo os núcleos desvairados. No meio espírita domesticado por
incessantes mensagens padrescas, algumas instituições doutrinárias chegaram a
proclamar-se donas exclusivas da verdade. Um enviado dos anjos fez-se
oráculo dos novos tempos (por conta própria) e a autodenominada Casa-Máter
do Espiritismo no Brasil ampliou a sua orgulhosa e falsa pretensão,
cortando do seu título autoconcedido a expressão “do Brasil”, tornando-se,
com essa simples operação, a Casa-Máter do Espiritismo no Mundo. Com essa
manobra as trevas cortavam a possibilidade de uma estruturação mundial
do movimento espírita. O movimento brasileiro fechava-se em si mesmo e
poderia restabelecer entre nós o Templo de Jerusalém com o seu rabinato
exclusivista. A reacção de André Dumas, na França, da Confederação Espírita
Pan-americana da Argentina, da própria Federação Argentina, da Venezuela e de
intelectuais espíritas como Humberto Mariotti, Robert Fourcade e outros mostrou
o alcance dessa manobra. Que esse triste exemplo dos descaminhos a que
o farisaísmo pode levar-nos sirva para acordar o bom-senso dos
desprevenidos. A terapia espírita não terá eficácia se não pudermos aplicá-la a
nós mesmos e ao nosso movimento doutrinário. Sem uma base de convicção
firme e de fidelidade à obra de Kardec não poderemos curar-nos a nós
mesmos, quanto mais aos outros.
/...
José Herculano Pires, Ciência Espírita e
suas implicações terapêuticas, Desenvolvimento da Ciência Espírita 2 de 2,
5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: O peregrino sobre o mar
de névoa, por Caspar David Friedrich)
Sem comentários:
Enviar um comentário