O movimento pancéltico (II)
Durante séculos os celtas ocuparam, no ocidente da Europa, a
mesma situação. Repelidos do continente por grupos germânicos, e das Ilhas
Britânicas pelas invasões anglo-saxónicas, eles tinham perdido a sua unidade,
mas não a sua fé no futuro.
A Gália tornou-se a França, e não se falava mais a sua
língua original, a não ser na Península
Armoricana. Quanto às ilhas, os celtas se repartiram em quatro povos ou
grupos diferentes, separados pelo braço de mar ou pelos grandes estuários, que
são: a Irlanda, a Alta Escócia, o País de Gales e a Cornualha.
Que força moral, que vontade perseverante não foi preciso a
essa raça céltica para manter a sua língua, as suas tradições, o seu próprio
carácter! A história das perseguições sofridas pela Irlanda, durante dez
séculos, é impressionante. O uso do idioma gaélico foi proibido e cada criança
que pronunciasse uma única palavra, na escola, era castigada com cintadas.
E, no entanto, a Irlanda, por sua tenacidade, triunfou
diante da opressão inglesa. Hoje, a Irlanda reconstituiu a sua língua
primitiva. Ela é o único país onde os seus sotaques ressoam como língua
oficial. Os celtas insulares e nós (os franceses) não temos o mesmo verbo, mas
temos o mesmo pensamento; sem falarmos, nós nos compreendemos
sempre.
Na Bretagne Francesa a perseguição foi mais moral e
religiosa. Todos os emblemas do Druidismo, todos os nomes sagrados dos antigos
celtas foram substituídos por símbolos católicos e por nomes de santos.
As menores lembranças do culto ancestral foram
minuciosamente expurgadas. Nos tempos modernos, deve-se aos galeses o mérito de
ter provocado o despertar da alma céltica, isto é, de ter dado impulso a uma
corrente de opinião que, reaproximando as partes esparsas da raça, restabeleceu
o contacto entre elas.
O movimento pancéltico, que tende a convergir para um fim
comum os recursos e as forças dos cinco grupos célticos, nasceu no País de
Gales no ano de 1850. Ele se desenvolveu rapidamente e as suas consequências
prometem ser vastas e profundas.
Nos últimos cinquenta anos, apesar da 1ª Guerra Mundial, a
situação dos celtas mudou bastante. A Irlanda reconquistou a sua independência;
o Principado de Gales e a Ilha de Man possuem a
sua plena autonomia; a Escócia trabalha eficazmente para realizar a sua;
Bretagne Francesa é a única que ficou estacionária.
O primeiro objectivo a atingir era a salvaguarda das línguas
célticas, garantia de raça inteira. A Irlanda conseguiu isso; os outros
dialectos retomaram, também, força e vigor nos seus ambientes respectivos. Os
professores que os ensinam são subvencionados pela Liga Céltica. Esta suscitou
uma unidade de impulsão, inicialmente literária e artística, mas que depois se
tornou, pouco a pouco, filosófica e religiosa.
Em 1570, uma assembleia solene, chamada “Eisteddfod”, foi
presidida por William Herbert, Conde de Pembroke, o grande patrono da
literatura galesa e o mesmo que fundou a célebre biblioteca de neogalês do
castelo de Rhaglan, destruída mais tarde por Cromwell. Noutra reunião,
realizada em Bowpyr, no ano de 1681, sob a direcção de Sir Richard Basset, os
membros do congresso procederam a uma revisão completa dos antigos textos
bárdicos Leis e Tríades.
As assembleias solenes são realizadas regularmente desde
1819. O “Gorsedd”, que as prepara, as organiza e assume a sua direcção, é uma
instituição livre, recrutada em todas as classes da sociedade. Foi, no
princípio, uma corte de justiça mantida pelos druidas. Apesar de eclipses
temporários e de perseguições, essa instituição se manteve através dos séculos
e é ainda ela, no momento actual, quem preside ao movimento geral pancéltico.
No século passado esse movimento aumentou e as assembleias
solenes de Abergavenny, de Caer-Marthen, reuniam numerosos representantes das
cinco grandes famílias célticas. Lamartine enviou
a sua adesão sob a forma de um poema; eis a sua primeira estrofe:
E nós dizemos: Oh! filhos das mesmas plagas!
Nós somos uma parte do velho gládio vencedor;
Olhai para nossos olhos, cabelos e faces;
Vós nos reconhecereis pelo aspecto do coração?
Depois veio o Congresso de Saint-Brieuc, reunido pela convocação de Henri Martin, de H. de la Villemarqué e de um comité de celticos famosos. Outras delegações célticas atravessaram a Mancha para confraternizar com os bretões franceses.
Vós nos reconhecereis pelo aspecto do coração?
Depois veio o Congresso de Saint-Brieuc, reunido pela convocação de Henri Martin, de H. de la Villemarqué e de um comité de celticos famosos. Outras delegações célticas atravessaram a Mancha para confraternizar com os bretões franceses.
Em compensação, o Congresso de Cardiff recebeu a visita de
21 dos nossos compatriotas. Em 1897, delegados galeses foram enviados a Dublin
para participar da restauração do “Feiz-Céoil”. Na prefeitura de Dublin, sob a
presidência do prefeito, Sir James Henderson, Lord Castletown, descendente de
antigos reis celtas, aí disse estas palavras:
“A Liga Pancéltica, que tomou a iniciativa do Congresso, se
propõe, unicamente, a reunir representantes celtas de todas as partes do mundo
para manifestar a todos o seu desejo de preservar a sua nacionalidade e de
cooperar para guardar e desenvolver os tesouros da língua, da literatura e
da arte que lhes legaram os seus antepassados comuns.”
As associações célticas foram fundadas na França; o ensino
superior incluiu a história e a literatura céltica. Cadeiras especiais foram
criadas na Sorbonne, no Colégio de França, em 1870, em Rennes e em Poitiers.
A Revue Celtique foi publicada em Paris, e
não foi extinta até ao momento, estando sob a direcção principal de Gaidoz e de
d’Arbois de Jubainville.
Após a publicação das obras célebres de Henri Martin, Jean
Reynaud e A. Thierry, um marinheiro ilustre, o almirante Réveillère, pôde
escrever:
“Está na ordem dos factos que os celtas, um dia ou outro, se
agrupem conforme as suas afinidades e formem federações para defesa das suas
fronteiras naturais e propagação dos seus princípios. É preciso que o
Panceltismo se torne uma religião, uma fé... A obra de nossa época é dupla:
primeiro, a renovação da fé cristã enxertada sobre a doutrina céltica da
transmigração das almas, única doutrina capaz de satisfazer a
inteligência pela crença no aperfeiçoamento indefinido da alma humana
numa série de vidas sucessivas; segundo, a restauração da pátria céltica e a
reunião num único corpo de seus membros, hoje separados.”
/…
LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível,
Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO I – Origem dos celtas, Guerra dos
gauleses, Decadência e queda, Longa noite; o despertar, O movimento pancéltico, 5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: The Apotheosis
of the French Heroes who Died for their Country During the War for Freedom_1802,
pintura de Anne-Luis
GIRODET-TRIOSON