terça-feira, 17 de setembro de 2024

O Mundo Invisível e a Guerra ~


~ A Justiça Divina e a Actual Guerra ~

|14 de julho de 1915|

Deus podia, do ponto de vista material, evitar a guerra, entretanto, do ponto de vista moral não podia fazê-lo, visto que uma das suas supremas leis exige que todos nós, individual ou colectivamente, soframos as consequências dos nossos actos.

Todas as nações empenhadas na presente guerra são culpadas, em diversos graus. A Alemanha levantou contra si as forças vingadoras, pelo seu orgulho insensato, o culto da força bruta, o desprezo ao direito, as suas mentiras e os seus crimes.

O orgulho excessivo acarreta sempre a queda e o fracasso: foi a sorte de Napoleão e será a de Guilherme II. As responsabilidades deste último são tremendas, porque a sua atitude não produz apenas hecatombes sem precedentes na História; ela poderia também retirar da Europa a coroa da civilização. Ele conseguiu iludir a opinião pública durante muito tempo, mas não enganará a justiça eterna.

Já o dissemos que, relativamente à França, a leviandade, a imprudência, o amor descontrolado dos prazeres deveriam atrair-lhe inevitavelmente duras provas. Assinalemos que foi um dia depois de um processo, onde a podridão nacional se destacava claramente, que a guerra explodiu.

O que existia de pior entre nós não eram os nossos defeitos, porém um estado de consciência que já não distinguia o bem do mal: é a pior das condições morais.

Os laços de família estavam afrouxados de tal modo que um filho era considerado como uma carga, daí o despovoamento que, como consequência dos nossos vícios, nos tornou fracos e diminuídos diante de um temível adversário; mas a alma francesa ainda conservava enormes recursos, podendo sair retemperada desse banho de sangue.

Diante da justiça divina, não são apenas a Alemanha e a França as nações responsáveis por enormes dívidas, pois entre os males que destacamos há muitos que se estendem por toda a Europa.

Encontramos por toda a parte criaturas semelhantes àquelas que existem em volta de nós, cujas consciências desapareceram e fizeram do bem-estar o objecto exclusivo das suas existências, como, aliás, certos políticos e estadistas que pretenderam dirigir os destinos de nosso país.

Deus permitiu que as calamidades tivessem um carácter geral, a fim de reagir contra essas doenças da consciência e esse baixo materialismo. Caso fossem apenas parciais, muitos teriam assistido com indiferença aos sofrimentos dos outros.

Para tirar as almas da letargia moral e do profundo mergulho na matéria era preciso que esse raio abalasse a sociedade até nos seus alicerces.

Já será suficiente a terrível lição que nos foi reservada? Se resultar inútil, se as causas morais da decadência e dos fracassos continuassem em nós, então os seus efeitos continuariam a produzir-se, reaparecendo a guerra com o seu cortejo de males.

É necessário, pois, que a vida nacional recomece em bases morais e que, terminando a tormenta, a alma humana aprenda a desfazer-se dos bens materiais, compreendendo-lhe o seu desvalor. Sem o que foram estéreis todos os sofrimentos e a nossa bela juventude foi ceifada sem benefícios para a França.

/…

LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, V – A Justiça Divina e a Actual Guerra (2 de 4), 13º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

pensamento espírita argentino ~


Capítulo II

Espiritismo dialéctico ~

Espiritismo dialéctico é a concepção científica, dínamo-genético da evolução, que explica as coisas, seres e fenómenos do Universo, no seu movimento causal e dinâmico e nas suas necessárias contradições, sucedendo-se e transformando-se, lenta e gradualmente ou por mutações bruscas, em virtude de uma lei natural, selectiva e finalista, sob a acção psicodinâmica do espírito, nas suas diversas formas e manifestações. Não é, como poderia supor-se, uma inovação sistemática, fundamental, da filosofia espírita: é a mesma doutrina (pelo que respeita os seus princípios fundamentais), tratada dialecticamente à luz da ciência moderna e em concordância com os fenómenos da natureza e da vida e, muito especialmente, com os da Psicologia e da História.

A dialéctica espírita é um método discursivo, aplicado às coisas no processo indefinido do seu desenvolvimento ou, melhor dito, induzido deste processo indefinido; é uma lógica superior, para elevar-se à concepção dínamo-genética da vida em todas as ordens e manifestações, indo do simples ao complexo, do particular ao geral e dos termos opostos à sua síntese, a fim de estabelecer a lei ou o princípio que rege cada ordem de coisas e o que é essencial em todas e em cada uma delas.

Elevar-se da realidade sensível à verdade inteligível é o objecto da verdadeira dialéctica; é a “viagem”, segundo o dizer de Platão, que nos eleva à região luminosa das verdades superiores, viagem que empreendeu Heráclito, pela primeira vez na história da Filosofia, afirmando que nada é, que tudo chega a ser na corrente incessante da vida.

Ter um conceito dínamo-genético do Universo e da vida é pensar a evolução com um critério dialéctico, considerando as coisas, não no repouso em que se apresentam, mas em movimento, como na realidade estão; não num lugar fixo do espaço, nem num determinado momento do tempo, mas num contínuo suceder, num perpétuo câmbio de formas e de qualidades, sem jamais serem coisas perfeitas; é considerar os factos da vida e da história, não isolados e sem conexão, mas nas suas relações e no seu encadeamento causal; é ver nos indivíduos, não agentes desvinculados completamente uns dos outros, mas unidos por vínculos afectivos específicos, relacionados entre si pelo meio social e geográfico, por factores externos, tanto de ordem material como espiritual; não é crer que a sociedade, com o seu determinismo económico e histórico, marche por um lado e o espírito humano com o seu determinismo psicológico, com a sua causalidade moral e espírita, por outro, sem engrenar este com aquela, nem aquela com este, mas considerar as suas influências respectivas numa constante reciprocidade de efeitos e causas, de acções e reacções, de impulsos e resistências, de contradições que se resolvem no tempo, na luta constante de interesses e ideais, com o triunfo das tendências revolucionárias, individuais e, por afinidade, colectivas, que por lei da mesma evolução se apartam das tendências gerais e conservadoras; é crer enfim que, se no processo incessante da História (dentro do limite da existência humana) os indivíduos formam a sociedade, esta, por sua vez, forma os indivíduos e os sujeita às condições de vida estabelecidas, ainda que novas tendências e iniciativas individuais apontem mais tarde novos rumos à sociedade e modifiquem as condições existentes com o máximo de progresso alcançado. Esta concepção dínamo-genética que o Espiritismo dialéctico oferece e que consideramos do mais alto valor filosófico, para melhor compreensão da evolução e da vida, não forma, todavia, um sistema de doutrina completamente separado de elementos estranhos e contrários, em muitos casos, a sua verdadeira essência. Ela se deduz logicamente dos factos e manifestações espíritas, tanto quanto dos fenómenos naturais e históricos. Os elementos doutrinários que a constituem encontram-se disseminados nas obras dos seus mais ilustres mestres.

O método dialéctico, mesmo com alguma diferença no modo de expressão, é que tem sido seguido pelos grandes filósofos espiritualistas, desde Sócrates e Platão até Hegel, e empregado por alguns autores espíritas, ainda que sem uniformidade de critério e sem a precisão e extensão devidas. Daí que o Espiritismo se ressinta no seu valor filosófico e que a sua interpretação doutrinária, no que concerne à evolução e ao modo em que esta se efectua, dê margem a opiniões diversas e contrapostas, a atitudes desde a mais revolucionária até à mais recalcitrante e conservadora, não obstante ser uma doutrina clara nos seus postulados, quando estudados sem preconceitos.

Se Alexandre Herzen pôde dizer, com razão, que a filosofia de Hegel, longe de ser conservadora, é a álgebra da revolução; se Marx e Engels, aproveitando-se do método dialéctico de Hegel, no sentido materialista (que, por ser assim, abrange um só aspecto da verdade) puderam dizer que a sua dialéctica é a álgebra prática que “não se inclina diante de nada e é, por sua essência, crítica e revolucionária”, também podemos afirmar que o Espiritismo, com os seus fenómenos de uma realidade superior, demolidores de velhos preconceitos em todas as ordens da vida, com o seu conceito palingenésico da evolução e a sua moral dinâmica e perfectível, é profundamente mais revolucionário, posto que aprofunda o problema do ser e do destino e o aclara à luz dos factos, assinalando ao espírito humano novas e mais prolongadas actividades, novos e mais dilatados horizontes aos seus ideais, que não ficam truncados com as conquistas (muito justas, sem dúvida) económicas e sociais, dentro do marco estreito da existência humana sobre o planeta que habita. A dialéctica espiritista neste caso vem a ser a álgebra superior, que ninguém poderá aprender definitivamente, mas que vai descobrindo novas equações, novos problemas, em progressão constante de vidas sucessivas, que produz uma revolução mais profunda e de mais vastas projecções, que abrange o espírito e a matéria (sem reduzi-los a termos unitários, como fazem respectivamente o idealismo e o materialismo) numa síntese geral, considerando-se estreitamente unidos e necessários para todas as manifestações da vida e do pensamento. (i)

Poucas pessoas ignoram o que é o Espiritismo na sua essência vulgar e simplista; mas é escassíssimo o número dos que têm estudado a causa dos factos e dos princípios filosóficos que eles encerram, arrastando pela borda o pesado lastro de preconceitos que nele infiltraram as religiões positivas.

Empregado o Espiritismo para resolver somente problemas metafísicos, próprios da velha escolástica, apenas à investigação do mais além, preso à velha moral das religiões, que ensina a respeitar falsos direitos e privilégios injustos, como coisas absolutamente necessárias e conformes à justiça divina e à causalidade moral de cada ser, perde o seu carácter de ciência integral e progressiva, e em vez de ser um ideal humano, propulsor do progresso e das causas nobres, aberto a toda a iniciativa de bem-estar social, a toda tendência renovadora e libertária, torna-se, nas mãos de espíritos mesquinhos, uma doutrina atrasada e conservadora, uma arma formidável para esmagar consciências e conter todo o impulso generoso que tenda a estabelecer um novo regime social, mais justo e conforme com as exigências do progresso.

Para despojar o Espiritismo das influências conservadoras, dos preconceitos retrógrados que o desvirtuam e lhe tiram vigor como força social, como ideologia chamada a influir na marcha ascendente da humanidade, nada melhor do que abrir o livro da natureza e o da história e interpretar as suas lições à luz da ciência moderna e das manifestações espíritas: neles aprenderemos melhor que nos livros dos filósofos a verdadeira dialéctica dos factos e conheceremos o valor dos factores que os produzem e determinam e formaremos o nosso conceito espírita dínamo-genético da evolução, biológico e histórico. Assim saberemos, no final, como o Espiritismo deve orientar a conduta dos homens para que as consciências se fortifiquem frente aos factos que a vida oferece nas suas múltiplas e variadas manifestações.

/…

(i) O Espiritismo não considera o espírito absolutamente independente de toda a forma de matéria, nem tem a pretensão de saber o que é a matéria nem o espírito na sua essência; considera-os nas suas manifestações e estabelece as diferenças que são próprias de cada um. As manifestações dos espíritos vão sempre acompanhadas de formas subtis que, como já temos indicado, se chamam corpo etéreo, perispírito, etc.


Manuel S. PorteiroEspiritismo Dialéctico, Capítulo II – Espiritismo dialéctico, 12º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Personajes, Pintura de Josefina Robirosa