Há muito tempo venho observando que se tornou hábito tanto
nas sessões espíritas como nas reuniões, congressos e encontros, a invocação do
nome de Jesus tanto
no início dos trabalhos como no encerramento, o que, a meu ver, constitui um
erro. Se não, vejamos.
As obras da Codificação deixaram bem claro dois pontos
importantes: a existência de Deus e a personalidade de Jesus. Assim, para nós,
espíritas só kardecistas, Deus é a "inteligência suprema, causa primária
de todas as coisas" (L.E. cap. I), cabendo-nos, portanto, cumprir a Lei de
Adoração, que "consiste na elevação do nosso pensamento a Deus"
(idem, cap. II da parte III). Segundo disseram os Espíritos Superiores a Allan Kardec "é
pela adoração que o homem aproxima a sua alma de Deus". Neste sentido, a
prece nada mais é do que "um acto de adoração" pois, "orar a
Deus é pensar nele; é aproximar-se dele; é pôr-se em comunicação com Ele".
(idem,) E três coisas podemos propor-nos por meio da prece: louvar a Deus,
pedir-lhe alguma coisa em nosso benefício e dos outros, e agradecer-lhe o que
temos recebido " (idem, n. 658 e 659). E Kardec, em "A Génese"
(cap. I, nº 13) deixou bem claro que a Revelação Espírita sobre ser científica
é também, e, principalmente divina, porque procede directamente de Deus,
através dos seus emissários, os Espíritos Superiores sob a direcção do Espírito de Verdade.
Na colectânea de preces espíritas, que Kardec colocou
no final de "O evangelho s/o Espiritismo", ele cita várias passagens
do Novo Testamento, em que Jesus,
o Homem de Nazaré, nos ensina como devemos dirigir-nos a Deus nas nossas
preces, a começar pela "Oração dominical", que começa com um veemente
apelo ao "Pai nosso que estais no céu". E o próprio Espírito de Santo
Agostinho, que, segundo Erasto,
Discípulo de São Paulo, foi "um dos maiores divulgadores do
Espiritismo", disse que "a prece nos leva ao caminho que nos conduz a
Deus". E nas preces que Allan Kardec nos
apresenta, no final do seu livro, ele sempre começa invocando a figura de Deus
Todo-Poderoso e não de Jesus. Justamente porque, para nós, espíritas não
roustainguistas, Jesus não foi, nem é Deus, e sim um Espírito Superior,
que, ao encarnar, na Terra, para cumprir uma sagrada missão, tomou um corpo de
homem, e viveu trinta e três anos, deixando-nos um grande exemplo e uma sublime
mensagem de amor, de paz e de esperança no futuro. Isto ficou bem evidente em
"A Génese", cap. XV, que mostra a superioridade da natureza de Jesus,
e em "Obras Póstumas", em que o querido mestre lionês nos prova, com
todo o rigor científico que o caracterizava, que nem o próprio Jesus se
considerava um Deus. É justamente o contrário do que afirmam a Igreja Católica
e "Os Quatro Evangelhos de J.B.Roustaing".
E, para concluir, citamos o grande Léon Denis,
que, no seu magnífico livro "Depois da morte", declarou o seguinte:
"Quanto às teorias que de Jesus fazem uma das três pessoas da Trindade
(dogma do Catolicismo) ou um ser puramente fluídico (dogma do
docetismo/roustainguismo) uma e outra parecem pouco fundadas, porque Jesus
revelou-se homem, sujeito ao temor , aos desfalecimentos. Como nós, homens,
sofreu e chorou..." (p. 75). A propósito, tenho aberto, diante de mim, o
livro "Doutrina Cristã", escrita pelo padre Francisco Pascucci, onde,
na pág. 12, Jesus Cristo aparece como sendo a Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade, o que constitui um grande mistério para o Catolicismo Romano. O mesmo
se encontra em "Os Quatro Evangelhos" de J. B. Roustaing, onde se lê
que Jesus, que já foi criado perfeito, sem mácula, foi concebido pelo Espírito
Santo, embora no seio de Maria, sua mãe carnal. Portanto, para os
roustainguistas, Jesus também era Deus, embora eles garantam que não
era nem Deus, nem homem, apenas um corpo fluídico, um agénere, mas com todas as
prerrogativas de um Deus e a aparência de um homem. Por isso mesmo, tem que ser
adorado, como se fosse o próprio Deus. Daí, certamente, o hábito que
se criou de se invocar Jesus Cristo, nas preces e orações, na abertura e
encerramento de qualquer reunião espírita.
Mas é claro que, nas nossas preces, devemos também
dirigir-nos a Jesus,
na certeza, porém, de que se trata de um intermediário, um intercessor,
como Allan
Kardec deixou bem evidente em "O Evangelho s/o Espiritismo",
cap. XXVII, nº 9)…
O que não podemos nem devemos é continuar por aí, rezando a
"Ave, Maria", como fazem os católicos, e como o próprio Chico fez
muitas vezes.
NAZARENO TOURINHO ESTÁ CERTO
Em seu livro "Cartas a Jesus" – Edição Especial -
disse, com muita propriedade o grande escritor, jornalista e conferencista
Nazareno Tourinho, (i) de
Belém / PA:
"... o que vem acontecendo, Jesus, é
melancólico. Passaram-se vinte séculos depois da tua visita a este mundo. Os
Evangelhos foram propagados no território de quase todas as nações, recebendo
louvores em aldeias e metrópoles, porém até hoje os homens e as mulheres
que te aceitam, de um modo geral, ainda não aprenderam nem sequer a orar a
DEUS, como ensinaste: esquecendo o PAI, que está nos Céus, ou seja, em
todos os lugares, oram quase sempre para ti, que deves recolher as preces com
imensa tristeza, falando para o próprio coração: - Eles nem ao menos começaram
a me entender!..." (pág. 18/19).
Bravos, valoroso Companheiro Nazareno Tourinho! É assim que
se fala!...
/...
Erasto de Carvalho Prestes, in O Franco Paladino, Julho de 2003 / Órgão de
divulgação do Espiritismo codificado pelo mestre Allan Kardec – Culto
de Adoração a Deus ou a Jesus (?), 3º fragmento solto da obra.
(imagem
de contextualização: São
Luís com a coroa de espinhos, desenho de Alexandre
Cabanel)