Capítulo Segundo
KARDEC E O CORPO FLUÍDICO (II)
"Quando tratarmos destas questões fá-lo-emos
decididamente. Mas é que então teremos recolhido documentos bastante numerosos
nos ensinos dados de todos os lados pelos Espíritos, a fim de
poder falar afirmativamente e ter a certeza de estar de acordo com a
maioria. É assim que temos feito, todas as vezes que se trata de formular
um princípio capital. Dissemo-lo cem vezes, para nós a opinião de um Espírito,
seja qual for o nome que traga, tem apenas o valor de uma opinião individual. O
nosso critério está na concordância universal, corroborada por uma
rigorosa lógica, para as coisas que não podemos controlar com os próprios
olhos. De que nos serviria dar prematuramente uma doutrina como uma verdade
absoluta se, mais tarde, devesse ser combatida pela generalidade dos Espíritas?
"Dissemos que o livro do Sr. Roustaing não
se afasta dos princípios do Livro dos Espíritos e do dos
Médiuns. As nossas observações são feitas sobre a aplicação desses
mesmos princípios à interpretação de certos factos. É assim, por
exemplo, que dá a Cristo, em vez de um corpo carnal, um corpo fluídico concretizado,
com todas as aparências da materialidade é de facto um agénere. Aos
olhos dos homens que não tivessem então podido compreender a sua natureza
espiritual, deve ter passado em aparência, expressão
incessantemente repetida no curso de toda a obra, para todas as vicissitudes da
humanidade. Assim, seria explicado o mistério de seu nascimento: Maria
teria tido apenas as aparências da gravidez. Posto como premissa e pedra
angular, este ponto é a base em que se apoia para a explicação de todos
os factos extraordinários ou miraculosos da vida de Jesus.
"Nisso nada há de materialmente impossível para quem
quer que conheça as propriedades do envoltório perispiritual. Sem nos
pronunciarmos pró ou contra essa teoria, diremos que ela é, pelo menos,
hipotética, e que se um dia fosse reconhecida errada, na falta de base
todo o edifício desabaria. Esperemos, pois, os numerosos comentários que
ela não deixará de provocar da parte dos Espíritos, e que contribuirão para
elucidar a questão. Sem a prejulgar, diremos que já foram feitas objecções
sérias a essa teoria e que, na nossa opinião, os factos podem
perfeitamente ser explicados sem sair das condições da humanidade corporal.
"Estas observações, subordinadas à sanção do futuro, em
nada diminuem a importância da obra que, ao lado de coisas duvidosas, do nosso
ponto de vista, encerra outras incontestavelmente boas e verdadeiras,
e será consultada com frutos pelos Espíritas sérios.
"Se o fundo de um livro é o principal, a forma não é
para desdenhar e contribui com algo para o seu sucesso. Achamos que certas
partes são desenvolvidas muito extensamente, sem proveito para a clareza. A
nosso ver, limitando-se ao estritamente necessário, a obra poderia ter sido
reduzida a dois, ou mesmo a um só volume e teria ganho em popularidade."
Essa a análise de "Os Quatro Evangelhos" feita
por Allan Kardec. Equilibrada e lógica, afirma que a obra tem "o
mérito de não estar, em nenhum ponto, em contradição com a doutrina ensinada
pelo Livro
dos Espíritos e dos Médiuns". Essa
afirmativa, para ser compreendida, precisa da complementação que ele mesmo
fornece no quarto parágrafo: "As nossas observações são feitas sobre a
aplicação desses mesmos princípios à interpretação de certos factos" e
mais a primeira frase do quinto parágrafo, que diz: "Nisso nada há de
materialmente impossível para quem quer que conheça as propriedades do
envoltório perispiritual", referindo-se directamente ao corpo fluídico. Assim,
ao atribuir a Jesus um corpo agénere, "Os Quatro Evangelhos" não
ferem os princípios estabelecidos na codificação, porque a existência do
agénere é um facto situado dentro das leis naturais. Isso, no entanto, não
significa que Kardec concorde com o Cristo agénere. Mostra, apenas, a
imparcialidade com que trata a questão. A prova disto está no facto de
afirmar que a obra não contradiz a Doutrina Espírita e, mais à frente,
esclarecer a razão da inexistência da contradição. A sua tendência inicial,
porém, é não aceitar o corpo fluídico: "os factos podem perfeitamente ser
explicados sem sair das condições da humanidade corporal". Entretanto,
deixa no futuro a responsabilidade de aprovar ou desaprovar: "quando
tratarmos destas questões fá-lo-emos decididamente".
O Codificador mostra as diferenças entre o seu
"Evangelho segundo o Espiritismo" e os "Quatro Evangelhos"
de Roustaing, ao dizer que preferiu a parte moral dos ensinos de
Cristo, porque contém lições que "jamais foram assunto para controvérsias
religiosas", o que não aconteceu com Roustaing, que "julgou dever
seguir um outro caminho". E o critica: "Em vez de proceder por
gradação, quis atingir o fim de um salto". Para ele, Roustaing e os
Espíritos que ditaram a obra poderiam estar enganados com relação ao corpo de
Jesus, pois agiam de forma precipitada ao defini-lo como um agénere
perfeito e - excepcionalmente - de longa duração, sem atentar para o facto da
comprovação pela universalidade dos ensinos. Já Kardec preferia se
manter "consequente com o nosso princípio, que consiste em regular a nossa
marcha pelo desenvolvimento da opinião" e deixar "ao tempo o
trabalho de as sancionar ou as contraditar", as teorias
roustainguistas do corpo fluídico de Jesus, da falsa concepção por Maria, etc. Estas
teorias na obra roustainguista formam "a base em que se apoia para a
explicação de todos os factos extraordinários ou miraculosos da vida de
Jesus" e se fossem consideradas erradas, "em falta de base
todo o edifício desabaria".
Kardec não se importa, em absoluto, com o nome deste ou
daquele Espírito que assina "Os Quatro Evangelhos",porque "a
opinião de um Espírito, seja qual for o nome que traga, tem apenas o valor de
uma opinião individual", uma vez que o critério que sempre foi de
Kardec "está na concordância universal, corroborada por uma rigorosa
lógica". Vai além, dizendo que já haviam sido feitas "objecções
sérias a essa teoria" do corpo de Jesus.
Por fim, Kardec condena a estrutura do livro, afirmando que
"certas partes são desenvolvidas muito extensamente, sem proveito para a
clareza". Roustaing deveria ter-se preocupado com este aspecto, "que
não é para desdenhar e contribui com algo para o sucesso", porque
"limitando-se ao estritamente necessário a obra poderia ter sido reduzida
a dois ou mesmo a um só volume e teria ganho em popularidade".
/…
Wilson
Garcia, O Corpo Fluídico, Capítulo Segundo – KARDEC E O CORPO
FLUÍDICO 2 de 5, 4º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Sem título, pintura de Josefina Robirosa)
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