sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Corpo fluídico | agénere ou aparição tangível ~


Capítulo Segundo

KARDEC E O CORPO FLUÍDICO (II)

"Quando tratarmos destas questões fá-lo-emos decididamente. Mas é que então teremos recolhido documentos bastante numerosos nos ensinos dados de todos os lados pelos Espíritos, a fim de poder falar afirmativamente e ter a certeza de estar de acordo com a maioria. É assim que temos feito, todas as vezes que se trata de formular um princípio capital. Dissemo-lo cem vezes, para nós a opinião de um Espírito, seja qual for o nome que traga, tem apenas o valor de uma opinião individual. O nosso critério está na concordância universal, corroborada por uma rigorosa lógica, para as coisas que não podemos controlar com os próprios olhos. De que nos serviria dar prematuramente uma doutrina como uma verdade absoluta se, mais tarde, devesse ser combatida pela generalidade dos Espíritas?

"Dissemos que o livro do Sr. Roustaing não se afasta dos princípios do Livro dos Espíritos e do dos Médiuns. As nossas observações são feitas sobre a aplicação desses mesmos princípios à interpretação de certos factos. É assim, por exemplo, que dá a Cristo, em vez de um corpo carnal, um corpo fluídico concretizado, com todas as aparências da materialidade é de facto um agénere. Aos olhos dos homens que não tivessem então podido compreender a sua natureza espiritual, deve ter passado em aparência, expressão incessantemente repetida no curso de toda a obra, para todas as vicissitudes da humanidade. Assim, seria explicado o mistério de seu nascimento: Maria teria tido apenas as aparências da gravidez. Posto como premissa e pedra angular, este ponto é a base em que se apoia para a explicação de todos os factos extraordinários ou miraculosos da vida de Jesus.

"Nisso nada há de materialmente impossível para quem quer que conheça as propriedades do envoltório perispiritual. Sem nos pronunciarmos pró ou contra essa teoria, diremos que ela é, pelo menos, hipotética, e que se um dia fosse reconhecida errada, na falta de base todo o edifício desabaria. Esperemos, pois, os numerosos comentários que ela não deixará de provocar da parte dos Espíritos, e que contribuirão para elucidar a questão. Sem a prejulgar, diremos que já foram feitas objecções sérias a essa teoria e que, na nossa opinião, os factos podem perfeitamente ser explicados sem sair das condições da humanidade corporal.

"Estas observações, subordinadas à sanção do futuro, em nada diminuem a importância da obra que, ao lado de coisas duvidosas, do nosso ponto de vista, encerra outras incontestavelmente boas e verdadeiras, e será consultada com frutos pelos Espíritas sérios.

"Se o fundo de um livro é o principal, a forma não é para desdenhar e contribui com algo para o seu sucesso. Achamos que certas partes são desenvolvidas muito extensamente, sem proveito para a clareza. A nosso ver, limitando-se ao estritamente necessário, a obra poderia ter sido reduzida a dois, ou mesmo a um só volume e teria ganho em popularidade."

Essa a análise de "Os Quatro Evangelhos" feita por Allan Kardec. Equilibrada e lógica, afirma que a obra tem "o mérito de não estar, em nenhum ponto, em contradição com a doutrina ensinada pelo Livro dos Espíritos dos Médiuns". Essa afirmativa, para ser compreendida, precisa da complementação que ele mesmo fornece no quarto parágrafo: "As nossas observações são feitas sobre a aplicação desses mesmos princípios à interpretação de certos factos" e mais a primeira frase do quinto parágrafo, que diz: "Nisso nada há de materialmente impossível para quem quer que conheça as propriedades do envoltório perispiritual", referindo-se directamente ao corpo fluídico. Assim, ao atribuir a Jesus um corpo agénere, "Os Quatro Evangelhos" não ferem os princípios estabelecidos na codificação, porque a existência do agénere é um facto situado dentro das leis naturais. Isso, no entanto, não significa que Kardec concorde com o Cristo agénere. Mostra, apenas, a imparcialidade com que trata a questão. A prova disto está no facto de afirmar que a obra não contradiz a Doutrina Espírita e, mais à frente, esclarecer a razão da inexistência da contradição. A sua tendência inicial, porém, é não aceitar o corpo fluídico: "os factos podem perfeitamente ser explicados sem sair das condições da humanidade corporal". Entretanto, deixa no futuro a responsabilidade de aprovar ou desaprovar: "quando tratarmos destas questões fá-lo-emos decididamente".

O Codificador mostra as diferenças entre o seu "Evangelho segundo o Espiritismo" e os "Quatro Evangelhos" de Roustaing, ao dizer que preferiu a parte moral dos ensinos de Cristo, porque contém lições que "jamais foram assunto para controvérsias religiosas", o que não aconteceu com Roustaing, que "julgou dever seguir um outro caminho". E o critica: "Em vez de proceder por gradação, quis atingir o fim de um salto". Para ele, Roustaing e os Espíritos que ditaram a obra poderiam estar enganados com relação ao corpo de Jesus, pois agiam de forma precipitada ao defini-lo como um agénere perfeito e - excepcionalmente - de longa duração, sem atentar para o facto da comprovação pela universalidade dos ensinos. Já Kardec preferia se manter "consequente com o nosso princípio, que consiste em regular a nossa marcha pelo desenvolvimento da opinião" e deixar "ao tempo o trabalho de as sancionar ou as contraditar", as teorias roustainguistas do corpo fluídico de Jesus, da falsa concepção por Maria, etc. Estas teorias na obra roustainguista formam "a base em que se apoia para a explicação de todos os factos extraordinários ou miraculosos da vida de Jesus" e se fossem consideradas erradas, "em falta de base todo o edifício desabaria".

Kardec não se importa, em absoluto, com o nome deste ou daquele Espírito que assina "Os Quatro Evangelhos",porque "a opinião de um Espírito, seja qual for o nome que traga, tem apenas o valor de uma opinião individual", uma vez que o critério que sempre foi de Kardec "está na concordância universal, corroborada por uma rigorosa lógica". Vai além, dizendo que já haviam sido feitas "objecções sérias a essa teoria" do corpo de Jesus.

Por fim, Kardec condena a estrutura do livro, afirmando que "certas partes são desenvolvidas muito extensamente, sem proveito para a clareza". Roustaing deveria ter-se preocupado com este aspecto, "que não é para desdenhar e contribui com algo para o sucesso", porque "limitando-se ao estritamente necessário a obra poderia ter sido reduzida a dois ou mesmo a um só volume e teria ganho em popularidade".

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Wilson GarciaO Corpo Fluídico, Capítulo Segundo – KARDEC E O CORPO FLUÍDICO 2 de 5, 4º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Sem título, pintura de Josefina Robirosa)

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